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OMP: revisões e trajetória de convergência

 

O Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) é adotado em 1997 para clarificar a obrigação de os Estados-Membros evitarem défices orçamentais excessivos, expressa no artigo 126.º do atual Tratado de Funcionamento da União Europeia. Baseia-se no «objetivo de manter finanças públicas sãs como meio de reforçar as condições propícias à estabilidade dos preços e a um forte crescimento sustentável conducente à criação de emprego». Na redação original, os Estados-Membros comprometeram-se a aderir ao «objetivo de médio prazo que visa alcançar situações orçamentais próximas do equilíbrio ou excedentárias». 1

 

Essa formulação assentava na consideração que a manutenção de situações orçamentais próximas do equilíbrio ou excedentárias permitiria aos Estados-Membros gerir as flutuações cíclicas normais mantendo simultaneamente o défice orçamental abaixo do valor de referência de 3% do PIB. Dito de outra forma, o PEC assentava na premissa de que um orçamento equilibrado ou excedentário geraria uma margem orçamental suficiente para contrariar as flutuações cíclicas normais fazendo uso da função de estabilização, sem com isso se incorrer num défice excessivo.2

 

A adesão prática dos países a este objetivo foi limitada, revelando-se a trajetória de convergência para esse objetivo de difícil monitorização. Avolumaram-se variadas críticas ao carácter excessivamente simplista da abordagem inicial do PEC, que não teria suficientemente em conta as condições cíclicas da economia. Assim, na revisão de 2005 e posteriormente na de 2011, o objetivo de médio prazo e a respetiva trajetória de convergência a ele conducente passaram a estar ancorados no conceito de saldo estrutural.

 

O artigo 2.º-A da atual redação do Regulamento (CE) n.º 1466/973  dispõe que o Objetivo de Médio Prazo (OMP) é diferenciado para a situação ou estado das finanças públicas de cada Estado-Membro, podendo divergir da exigência de uma situação orçamental próxima do equilíbrio ou excedentária. Tal como também é explicitado no respetivo Código de Conduta, o OMP prossegue uma tripla finalidade:

 

  • Facultar uma margem de segurança em relação ao rácio de 3% do PIB para o défice orçamental. Esta margem de segurança tem em conta a volatilidade passada do ciclo económico e a sensibilidade do orçamento em relação às flutuações cíclicas da qual resulta um “valor mínimo de referência”. No caso português, este valor corresponde a um défice estrutural de 1,1% do PIB em 2018 e de 1% do PIB em 2019 (Ver Vade Mecum on the Stability and Growth Pact).

 

  • Assegurar um rápido progresso na via da sustentabilidade das finanças públicas. O cálculo do OMP deve garantir a convergência do rácio da dívida para o valor de referência de 60% do PIB tendo em conta o impacto económico e orçamental do envelhecimento populacional. Tal requer levar em consideração o saldo orçamental que estabiliza a dívida no valor de referência de 60% do PIB, adicionado de um esforço suplementar para os países que se encontrem acima desse limiar, bem como uma fração (pre-funding) do ajustamento necessário para fazer face ao valor atual (conceito atuarial) do aumento futuro da despesa pública relacionada com o envelhecimento.

 

  • Tendo em conta as duas finalidades anteriores, proporcionar espaço de manobra orçamental, em especial para atender às necessidades de investimento público.

 

O OMP deve ser especificado dentro do intervalo de variação entre -1% do PIB de saldo estrutural e uma situação de saldo estrutural em equilíbrio ou excedentária. O limite inferior é -0,5% do PIB para os Estados signatários do Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação (TECG).4  As Partes Contratantes desse Tratado, incluindo a República Portuguesa, comprometeram-se ainda a assegurar “uma rápida convergência em direção aos respetivos objetivos de médio prazo.”

 

Os objetivos orçamentais de médio prazo são revistos de três em três anos.5  A revisão ocorre geralmente na sequência da publicação do Relatório de Sustentabilidade da Comissão Europeia que, por sua vez, se baseia na mais recente atualização dos custos orçamentais relacionados com o envelhecimento. A fórmula de cálculo do OMP, adotada no Código de Conduta do PEC6,  traduz as finalidades referidas e permite determinar o valor mínimo para o OMP. Consiste no apuramento do maior de três limites inferiores possíveis, a saber:

Cálculo do OMP

O primeiro termo representa valor mínimo de referência; o segundo, a componente de sustentabilidade ou de rápido progresso na via para a sustentabilidade das finanças públicas; e o terceiro, e último, o já referido limite geral de -1% do PIB (‑0,5% para os signatários do TECG). A segunda componente que tem em conta as responsabilidades implícitas e a dívida pública (implicit liabilities and debt- ILD) é calculada da seguinte forma:

Cálculo do OMP - responsabilidades implícitas da dívida pública

Correspondendo: a primeira parcela ao saldo orçamental que permite estabilizar o rácio da dívida nos 60% do PIB [correspondendo ao produto entre 60% e a previsão de crescimento nominal até 2060 tal como calculada pelo Grupo de Trabalho do Envelhecimento (AWG)]; a segunda parcela ao ajustamento orçamental que permite compensar uma parte do valor atual do aumento de despesa projetado para os custos de envelhecimento populacional, com α = 33%; e a terceira parcela a um esforço adicional de redução em países com um rácio da dívida superior a 60% do PIB. Esta última parcela segue uma função linear que assegura um esforço adicional de 0,2% do PIB quando a dívida atinge os 60% do PIB e um esforço adicional de 1,4% do PIB quando o rácio atinge 110% do PIB (correspondendo esse esforço ao resultado da seguinte operação: 0,024*Dívida - 1,24).

 

Em 2016 realizou-se um exercício de atualização dos OMP no contexto da revisão regular de três em três anos. No caso português, desde a atualização anterior do OMP verificou-se um acréscimo no rácio de dívida pública, o que levou a que o valor mínimo para o OMP fosse revisto em alta, a fim de assegurar a finalidade de um rápido progresso na via da sustentabilidade das finanças públicas. Em conformidade, o OMP definido pelo Governo português no presente Programa de Estabilidade é mais exigente do que o anteriormente considerado. Assim, o OMP passou de um défice orçamental estrutural de 0,5% do PIB para um excedente orçamental estrutural de 0,25% do PIB.

 

Flexibilização na interpretação das regras do PEC

 

O PEC estipula que cada Estado-Membro deve assegurar um ajustamento anual mínimo até atingir o respetivo OMP. Em geral, esse ajustamento mínimo corresponde a uma melhoria anual do saldo estrutural em 0,5 p.p. do PIB, sendo o esforço modulado em função das condições cíclicas da economia e do rácio da dívida ou risco de sustentabilidade. Uma vez atingido o OMP, a quantificação do saldo estrutural continua a ser relevante para a monitorização da situação das finanças públicas. Deste modo, quando um desvio face ao OMP (ou face à trajetória de convergência a ele conducente) for considerado significativo, é acionado um mecanismo de correção.

 

A Comissão Europeia introduziu recentemente a possibilidade de as regras do PEC poderem ser interpretadas de uma forma mais flexível, no contexto da estratégia de apoio ao emprego e ao crescimento. Na Comunicação de 13 de janeiro de 2015 foram fornecidas orientações quanto à forma de otimizar o recurso à flexibilidade prevista pelas atuais regras do PEC, sem pôr em causa o cumprimento das referidas regras. Essa Comunicação interpretativa serviu de base à elaboração da “Commonly agreed position on Flexibility in the Stability and Growth Pact”, que foi formalmente endossada pelo ECOFIN no dia 12 de fevereiro de 2016.

 

A Comissão concebeu uma matriz que estabelece os requisitos a respeitar em matéria de ajustamento orçamental anual em direção ao OMP no âmbito da vertente preventiva do Pacto, tendo em conta a conjuntura económica e a sustentabilidade das finanças públicas dos Estados-Membros, clarificando a forma como o esforço anual deve ser modulado. Assim, a matriz preconiza um esforço orçamental maior para países com um rácio da dívida superior a 60% do PIB e em conjunturas económicas mais favoráveis, e um esforço orçamental menor para países com um rácio da dívida abaixo de 60% do PIB e em conjunturas económicas mais desfavoráveis. A conjuntura económica é aferida pela taxa de crescimento do PIB real e pelo hiato do produto.7

 

De acordo com a trajetória prevista no PE/2016, Portugal deverá passar a estar ao abrigo da vertente preventiva a partir de 2017. Com base no cenário macroeconómico do PE/2016, a matriz aponta para um ajustamento mínimo anual de 0,6 p.p. do PIB, uma vez que o país apresenta um rácio da dívida pública superior a 60% e pelo facto de se prever que no horizonte temporal coberto pelo PE/2016 o hiato do produto se situe no intervalo entre -1,5% do PIB e 1,5% do PIB o que corresponde a “condições cíclicas normais (normal times)”.

 

De acordo com essa posição comum adotada, a Comissão Europeia pode ainda avaliar o cumprimento das regras aplicáveis aos Estados-Membros de forma mais flexível, em função de estes poderem invocar cláusulas de salvaguarda. A flexibilidade consiste na autorização de um desvio temporário do OMP se este tiver sido anteriormente alcançado ou na concessão de tempo adicional para atingir o OMP, portanto permitindo um desvio temporário da trajetória de convergência. A elegibilidade para as referidas cláusulas encontra-se dependente dos seguintes requisitos:

  • O Estado-Membro terá que estar ao abrigo da vertente preventiva do PEC, isto é, terá que se encontrar já encerrado um eventual Procedimento relativo aos Défices Excessivos;
  • Terá que ser continuamente preservada uma margem de segurança adequada, de modo a que o desvio temporário em relação à trajetória de ajustamento orçamental para o OMP não leve a que o défice exceda o valor de referência de 3% do PIB. Tal implica que o saldo estrutural nunca seja inferior ao valor mínimo de referência (que, no caso de Portugal, corresponde a 1,6 % do PIB, tal como anteriormente referido);
  • Deve estar previsto atingir o OMP no período de quatro anos abrangido pelo Programa de Estabilidade do ano em que a cláusula é acionada, ou seja, até t+4; o desvio temporário face à trajetória de convergência para o OMP não pode ultrapassar três anos;
  • O desvio face ao OMP no ano em que se aciona a cláusula (ano t) não pode exceder 1,5% do PIB;
  • O desvio temporário não pode exceder 0,5% do PIB em termos anuais (exceto quando decorra de reformas estruturais no sistema de pensões que introduzam um pilar de capitalização);
  • O desvio temporário cumulativo que pode ser concedido ao abrigo das cláusulas das reformas estruturais e de investimento (adiante explicadas) não pode exceder 0,75% do PIB;
  • A aplicação da cláusula das reformas estruturais (ou do investimento) encontra-se restringida a uma única vez por cada período de ajustamento conducente ao OMP. Isto significa que um Estado-Membro só poderá voltar a invocada a cláusula após o respetivo OMP ter sido atingido.

 

No caso de os Estados-Membros preencherem estes requisitos, podem invocar as seguintes cláusulas de salvaguarda:

 

i) Reformas estruturais

Em conformidade com as regras atuais do Pacto, os Estados-Membros abrangidos pela vertente preventiva do PEC que implementem reformas estruturais importantes são autorizados a desviar-se temporariamente da trajetória de ajustamento em direção ao OMP, devido aos custos a curto prazo da implementação dessas reformas. Porém, tal desvio apenas será autorizado nas seguintes condições (para além das acima referidas): as reformas em causa devem ter um impacto significativo (como, por exemplo, uma reforma do sistema de pensões), ser plenamente implementadas, e deverão ter efeitos orçamentais positivos a longo prazo, nomeadamente ao reforçar a sustentabilidade das finanças públicas por via de um aumento de receita ou do produto potencial ou por via da redução de despesa. Note-se que, para beneficiar da cláusula das reformas estruturais, o Estado-Membro tem que apresentar um plano exaustivo e pormenorizado das reformas estruturais a implementar no médio prazo.

 

ii) Investimento

Ao abrigo da vertente preventiva do Pacto, alguns investimentos poderão ser equiparados a reformas estruturais importantes, se for demonstrado que são instrumentais para alcançar e implementar as referidas reformas. Os investimentos elegíveis deverão, em larga medida, beneficiar de cofinanciamento comunitário. Deverá ser demonstrado que tais investimentos têm um impacto líquido significativo no crescimento potencial e na sustentabilidade das finanças públicas. Assim, em determinadas condições, poderão justificar um desvio temporário até 0,5% do PIB face à trajetória de convergência para o OMP. Tal apenas será autorizado nas seguintes condições (para além das acima referidas): quando o crescimento do PIB for negativo ou o PIB se mantiver muito abaixo do seu nível potencial (hiato do produto mais negativo do que -1,5% do PIB) e o investimento público nacional não seja substituído por despesa cofinanciada por fundos comunitários. Os investimentos elegíveis correspondem às despesas nacionais em projetos cofinanciados pela UE no âmbito da política estrutural e de coesão, nas Redes Transeuropeias e no Mecanismo Interligar a Europa, bem como ao cofinanciamento pelo Estado-Membro de projetos igualmente financiados pelo Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos (mais conhecido por “Plano Juncker”).

 

Na sequência da recente vaga de migração, encontra-se em discussão a introdução de uma nova cláusula de salvaguarda, relacionada com os custos das políticas de apoio aos refugiados. Embora o Presidente da Comissão Europeia já tenha reconhecido que essa questão poderá configurar um “acontecimento excecional”, a respetiva decisão terá que ser tomada caso a caso, devendo os países fazer prova de que as contas públicas foram efetivamente afetadas pelo custo associado à aplicação de políticas excecionais de apoio aos refugiados.

 

Por fim, refira-se que no âmbito da vertente corretiva do Pacto, as regras não incluem disposições pormenorizadas sobre a possibilidade das reformas estruturais ou do investimento serem tidas em conta no momento de avaliar se um Estado-Membro tomou medidas eficazes em resposta às recomendações do Conselho com vista à correção da situação de défice excessivo. Ainda assim, a Comissão analisa vários fatores, incluindo a execução de reformas estruturais no contexto do Semestre Europeu, aquando da apreciação da trajetória plurianual para a correção de uma situação de défice excessivo. Um excesso de défice em relação ao limite de referência pode ser considerado como excecional se resultar de uma circunstância não controlável pelo Estado-Membro com impacto significativo na situação das finanças públicas ou quando resultar de uma recessão económica grave. Se o Estado-Membro tiver tomado medidas eficazes e assegurado o esforço orçamental estrutural recomendado pelo Conselho, poderá beneficiar de um período suplementar para corrigir o défice nominal excessivo, sem incorrer em sanções financeiras.

 


1 Considerando o n.º 2 do Regulamento (CE) n.º 1466/97 do Conselho, de 7 de julho de 1997.

2 Uma recessão económica grave, então definida como uma quebra anual de pelo menos 2% do PIB real, poderia justificar excecionalmente uma ultrapassagem do limite de 3% do PIB.

3 Com as alterações introduzidas pelo Regulamento (CE) n.º 1175/2011, de 16 de novembro.

4 Contudo, quando o rácio da dívida pública for significativamente inferior a 60% do PIB e os riscos para a sustentabilidade a longo prazo das finanças públicas forem reduzidos, o limite para o OMP pode ser um défice estrutural de, no máximo, 1,0% do PIB. O TECG foi assinado em Bruxelas a 2 de março de 2012 e ratificado por Portugal através da Resolução da Assembleia da República n.º 84/2012, aprovada em 13 de abril e publicada a 3 de julho de 2012 (o processo legislativo pode ser consultado na página da Proposta de Resolução n.º 30/XII).

5 Fora deste intervalo regular, «O objetivo orçamental de médio prazo de um Estado-Membro pode ser submetido a uma nova revisão se for posta em prática uma reforma estrutural que tenha um impacto considerável na sustentabilidade das finanças públicas». Vide artigo 2.º-A da do Regulamento (CE) n.º 1466/97, revisto pelo Regulamento (CE) n. o 1055/2005 do Conselho de 27 de junho de 2005 e pelo Regulamento (UE) n.º 1175/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro.

6 Guidelines on the format and content of Stability and Convergence Programmes, 5 July 2016.

7 A matriz está disponível na pág. 25 do documento Commonly agreed position on Flexibility in the Stability and Growth Pact, bem como no citado Código de Conduta.

 

Nota: As fórmulas específicas e detalhe adicional podem ser encontrados na publicação anual da Comissão Europeia, “Vade Mecum on the Stability & Growth Pact” (edição de 2018).

 

Versão revista e atualizada da “Caixa 1 – OMP: revisões, trajetória de convergência e condições para a sua flexibilização” originalmente publicada no Relatório n.º 6/2016 do CFP “Análise do Programa de Estabilidade 2016-2020”, maio de 2016. Última atualização: outubro de 2018.

Data da última atualização: 27/11/2023