São os 2% os novos 3%? Ou 90% os novos 60%?
Os valores de referência para o défice orçamental e para a dívida pública de 3% e 60% do PIB, respetivamente, inscritos num protocolo anexo ao Tratado de Maastricht de 1992, são amplamente conhecidos. Os dois valores são coerentes entre si quando o crescimento nominal do PIB for de 5%: crescimento real (ou em volume) de 3% e inflação de 2%, por exemplo. Nestas circunstâncias económicas, se o ponto de partida for uma dívida de 60%, um défice de 3% do PIB no ano seguinte mantém a dívida inalterada nos 60% do PIB.
Este cálculo parte da identidade que indica que em termos absolutos a dívida no final do ano é igual à dívida existente no final do ano anterior acrescentada do défice gerado no próprio ano e do ajustamento défice-dívida. Ignorando esta última componente e realizando uma aproximação válida para baixas taxas de crescimento do PIB, a variação do rácio da dívida no PIB no ano t (∆bt) é dada por:

em que γt representa a taxa de crescimento nominal do PIB, dt o défice do ano t expresso em percentagem do PIB e bt-1 o rácio da dívida no ano anterior (t-1).
Substituindo nesta expressão o valor do défice por 3%, o crescimento nominal por 5% e a dívida no ano t-1 por 60%, obtém-se a tal variação nula para o rácio da dívida no período t, o que significa que os dois valores de referência são coerentes entre si neste cenário de crescimento.
Contudo, atualmente estes dois valores de referência não são coerentes entre si pois o crescimento das economias europeias é agora muito mais baixo do que em 1992. O crescimento nominal na década de 10 do século XXI não deverá atingir sequer 3% na área do euro a 12 (2,5% de acordo com a Comissão Europeia), reflexo de uma diminuição do ritmo de crescimento real e da inflação.
Crescimento médio anual do PIB (%)
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Área do euro a 12 |
Portugal |
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Nominal |
Real |
Nominal |
Real |
1991-2000 |
4,7 |
2,2 |
8,6 |
3,0 |
2001-2010 |
3,0 |
1,1 |
3,4 |
0,7 |
2011-2020 |
2,5 |
1,2 |
1,9 |
0,7 |
Fonte: Comissão Europeia, Autumn Forecast, Novembro de 2019.
No futuro não se perspetiva que o crescimento retorne aos valores dos anos 1990 à conta da redução prevista para a população ativa resultante do envelhecimento da população europeia. No Ageing Report 2018 assume-se que entre 2021 e 2030 o crescimento do PIB potencial na área do euro e em Portugal será de 1,1%. Assumindo que a inflação será os habituais 2%, obtém-se um crescimento nominal de 3% para essa década.
Sejamos um pouco mais otimistas e acrescentemos ¼ de p.p. a esta projeção. Considerando assim um crescimento anual nominal médio de 3,25%, para manter a dívida no valor de referência de 60% do PIB, chegamos a um novo valor de referência para o défice necessariamente mais baixo. Nestas circunstâncias, o valor do défice compatível com os 60% de dívida é de 1,95% do PIB e não os atuais 3%, podendo dizer-se que 2% são os novos 3%. Podemos também manter inalterado o valor de referência para o défice em 3%, o que levaria a um rácio de dívida necessariamente mais elevado: 92,3% do PIB, o que leva a concluir que 90% são os novos 60%.
Resumindo, com menor crescimento económico ou o limite para o défice é diminuído ou o limite para a dívida elevado para manter a coerência dos dois valores de referência de Maastricht.
Nota de rodapé: Este exercício não considera os ajustamentos défice-dívida, mas eles não podem ser ignorados. Estes ajustamentos surgem porque o conceito do défice exclui as transações financeiras, enquanto o conceito de dívida bruta as inclui, refletindo o seu financiamento. Em linguagem técnica, isto significa que o valor de referência para o défice acima encontrado pode não garantir a manutenção do rácio da dívida se se verificarem transações financeiras significativas. É um detalhe técnico, a maior parte das vezes ignorado, mas que a história recente demonstra ser relevante e que apela a uma maior prudência orçamental.
Data da última atualização: 02/03/2020