Impacto da implementação dos POEN-MP europeus no crescimento da economia portuguesa
O CFP publicou recentemente a sua análise ao Plano Orçamental-Estrutural de Médio Prazo (POEN-MP). A leitura da publicação oferece uma melhor compreensão da reforma do enquadramento orçamental europeu. Neste novo paradigma, a elaboração de um Plano por cada Estado-Membro no horizonte temporal de 4 ou 5 anos, consoante a duração regular da legislatura nacional, é um elemento central.
Um dos pontos mais relevantes decorrentes da publicação destes Planos de cada Estado-membro é a determinação da orientação da política orçamental - fiscal stance – conjunta, a qual resulta da implementação simultânea dos mesmos. Para uma pequena economia aberta como a portuguesa, a postura orçamental dos seus parceiros, e o seu impacto na procura agregada de cada uma destas economias, não é indiferente. A não contabilização deste canal de contágio - spillovers - é uma das críticas já apontadas à nova abordagem. Esta crítica é particularmente premente numa perspetiva histórica, se nos recordarmos da importância que estes efeitos de contágio tiveram em episódios recentes de ajustamento orçamental, bem como no caso particular da área do euro, uma união monetária na qual os efeitos de contágio sofridos num determinado país não podem ser contrabalançados pela utilização de instrumentos de política monetária própria.
Vários estudos descrevem e avaliam os principais canais de transmissão da orientação das políticas orçamentais nacionais para outros países da área do euro. A título de exemplo, Alloza et al. (2019) conclui que, no contexto da União Económica e Monetária (UEM), os spillovers da política orçamental nacional são relevantes para uma avaliação rigorosa das perspetivas cíclicas nos países que integram essa área do euro. Também Dabla-Norris et al. (2017) verifica que tais efeitos de contágio tendem a ser tanto maiores quanto maior for a dimensão dos países que ajustam a respetiva política orçamental, e entre países com relações comerciais e financeiras mais próximas.
Com base na informação já disponível, elaborou-se uma primeira estimativa do impacto da implementação programada dos Planos no crescimento da economia portuguesa. De momento, 21 Estados-Membros (EM) têm o seu Plano publicado, entre os quais Portugal, estando disponíveis para consulta pública numa página dedicada criada pela Comissão Europeia para o efeito. O impacto económico foi estimado a partir de uma abordagem em 3 passos:
(i) De cada um dos Planos foi extraída a estimativa do saldo primário estrutural para o horizonte entre 2024 e 2028, calculando-se o esforço orçamental implícito[1] (ver Gráfico 1);
(ii) Considerou-se um multiplicador de 0,75 – isto é, uma melhoria do saldo primário estrutural de 1p.p. retira 0,75 p.p. ao crescimento económico de determinado ano, tendo em consideração o funcionamento dos estabilizadores automáticos. Esta escolha prendeu-se com o facto de ser o mesmo referencial utilizado pela Comissão Europeia na sua análise à sustentabilidade da dívida pública (DSA), tal como descrito no Debt Sustainability Monitor (2024);
(iii) O efeito de contágio é aproximado ponderando o resultado do ponto anterior pelo peso das exportações (tanto de bens, como de serviços) de cada um dos EM no PIB português. Esta opção metodológica é semelhante à utilizada em Heimberger et al. (2024). Apesar de resultar numa estimativa de impacto estático e mecânico, ocultando outros efeitos de equilíbrio, nomeadamente o impacto nos preços e na política monetária, tal opção oferece maior simplicidade na interpretação dos resultados.
Dos Planos resulta um episódio de ajustamento orçamental mais sincronizado desde 2012. Com efeito, 60% dos países com um Plano publicado comprometem-se com uma melhoria do saldo primário estrutural até 2028 e na quase totalidade, com um ajustamento orçamental superior a 1% do PIB. A ocorrência de um ajustamento simultâneo[2] com tal extensão não era observada desde 2011-2013, período em que se verificou um elevado grau de sincronização da política orçamental, com 80% dos países considerados a apresentar uma postura restritiva da política orçamental (melhoria do saldo primário estrutural). Tal foi substancialmente superior à proporção observada entre 2015 e 2019 (30%). Estima-se que, entre 2011 e 2013, esse ajustamento simultâneo tenha resultado em impactos negativos no nível de atividade da economia portuguesa em, aproximadamente, 0,6% do PIB real.
A verificar-se o ajustamento orçamental previsto nos Planos estima-se um impacto negativo de 0,3% do nível de PIB da economia portuguesa, em termos acumulados, até 2028. É possível que estes resultados subestimem os impactos esperados, por três vias. Em primeiro lugar, dada a existência de uma conta de controlo, eventuais desvios positivos acumulados nos primeiros anos de implementação do Plano reduzem a margem de manobra para os períodos subsequentes, podendo resultar em ajustamentos superiores aos estimados. Em segundo lugar, o biénio 2027-2028 coincide com um período em que a orientação da política orçamental em Portugal é igualmente restritiva. Por fim, a dimensão assumida para o multiplicador pode estar subestimada, o que pode resultar de diversos fatores.
Com efeito, o multiplicador não é constante – nem no tempo, nem no instrumento de política utilizado. O efeito multiplicador é tipicamente diferente, e superior, quando se trate de variações da despesa pública, como sejam do investimento público ou das despesas com pessoal; também é superior em períodos em que a atividade económica é inferior ao seu nível potencial. Acresce que os efeitos (negativos ou positivos) sobre a atividade económica não se dissipam de forma instantânea, existindo alguma persistência no tempo.[3]
Seis países ainda não submeteram os respetivos Planos. Entre estes, contam-se os da Alemanha e da Bélgica, cuja incorporação resultará, pelo que é conhecido até à data, num impacto mais negativo nos anos da projeção. Note-se que as exportações para estes 2 países, representaram, em 2023, 6,4% do PIB nacional. Já os 20 EM incluídos na análise representam 23,4%.
[1] Definido como a variação anual do saldo primário estrutural, o que permite já corrigir do efeito dos ciclos económicos.
[2] Calculado como a proporção de países da amostra com uma melhoria do saldo primário estrutural superior a 0,1 p.p.
[3] São igualmente relevantes as características estruturais da economia - entre outras, o grau de abertura da economia, a rigidez do mercado laboral, a dimensão dos estabilizadores automáticos e o rácio de dívida pública. Para uma revisão recente da literatura consultar Valerie A. Ramey (2019) e Batini, N., Eyraud, L. e Anke Weber (2014).
Referências Bibliográficas
Alloza, M., Burriel, P., and Pérez, J. J. 2019. Fiscal policies in the euro area: Revisiting the size of spillovers, Journal of Macroeconomics, vol. 61, 103132.
Batini, N., Eyraud, L., and Weber, A. 2014. A Simple Method to Compute Fiscal Multipliers, IMF Working Paper, no. WP/14/93.
Conselho das Finanças Públicas. 2024. Análise ao Plano Orçamental-Estrutural Nacional de Médio Prazo (2025-2028), Relatório, no. 11.
Directorate-General for Economic and Financial Affairs. 2024. Debt Sustainability Monitor 2023, European Economy Institutional Papers, vol. 271.
Gechert, S., Guarascio, D., Heimberger, P., Bernhard Schütz, Lennard Welslau, and Zezza, F. 2024. Debt Sustainability Analysis in Reformed EU Fiscal Rules: The Effect of Fiscal Consolidation on Growth and Public Debt Ratios, Intereconomics, vol. 2024, no. 5, 276–83.
Poghosyan, T. 2017. Cross-Country Spillovers of Fiscal Consolidations in the Euro Area, IMF Working Papers, vol. 17, no. 140, 1.
Ramey, V. A. 2019. Ten Years After the Financial Crisis: What Have We Learned from the Renaissance in Fiscal Research?, Journal of Economic Perspectives, vol. 33, no. 2, 89–114.
Data da última atualização: 07/11/2024