Impacto da Inflação adicional na Receita Fiscal e Contributiva nos anos de 2022 e 2023
A Receita Fiscal e Contributiva, definida como a receita das Administrações Públicas proveniente do conjunto de contribuições sociais e impostos existentes no enquadramento legal português, depende, genericamente: i) da evolução dos agregados macroeconómicos sobre os quais incidem os diversos tributos; ii) do impacto de eventuais medidas de política adotadas; e, iii) de outros efeitos residuais inerentes ao funcionamento da administração fiscal e parafiscal (ex. maior eficácia no combate à fraude e evasão fiscal, maior eficiência e redução dos custos de cobrança, etc.).
O contexto de inflação particularmente elevado vivenciado nos dois últimos anos proporcionou a obtenção de importantes ganhos na receita fiscal e contributiva. Deste modo, quantificar a dimensão destes ganhos mostra-se relevante para determinar, o que, genericamente, se classifica como “dividendo inflacionista”. Esta classificação é aqui atribuída, na medida em que a receita adicional gerada não resulta: i) nem da evolução da atividade económica em termos reais; ii) nem da observância de um crescimento dos preços em linha com os objetivos de médio prazo do BCE e previamente antecipados pelos agentes económicos; iii) nem do impacto de medidas de política que visassem atingir uma consolidação orçamental de magnitude equivalente à conseguida pela materialização deste efeito.
A metodologia utilizada para quantificar o “dividendo inflacionista” consistiu em decompor os ganhos de receita fiscal e contributiva, não só nas diversas componentes explicativas supracitadas (evolução macroeconómica real e nominal, medidas e outros efeitos), mas também, na decomposição da componente nominal (efeito preço) entre o acréscimo de receita que resultaria de um crescimento dos preços em linha com o objetivo de médio-prazo do Banco Central Europeu (2%) e a receita gerada pelo crescimento dos preços acima desta referência. As diversas rubricas da receita fiscal e contributiva para os anos de 2022 e 2023 foram estimadas tendo por base a evolução das variáveis macroeconómicas subjacentes e as elasticidades utilizadas no modelo de projeção do CFP[1]
Da observação dos gráficos seguintes constata-se que o referido “dividendo inflacionista” (impacto do efeito preço adicional) ascendeu a 3846 M€ e a 5440 M€ nos anos de 2022 e 2023. A magnitude deste “dividendo” explica cerca de um terço e de dois terços da variação total da receita fiscal e contributiva nos respetivos anos. Por sua vez, o efeito volume reduziu-se de 4120 M€ em 2022 para 1946 M€ em 2023. O abrandamento da atividade económica em termos reais justifica esta evolução, determinando que o efeito volume seja responsável por apenas 24,5% do acréscimo da receita fiscal e contributiva em 2023.
Fonte: INE, MF e cálculos do CFP.
Mais detalhadamente, verifica-se que o crescimento do contributo do “dividendo inflacionista” no ano de 2023 se ficou a dever, em grande medida, à receita adicional gerada através do IRS e das contribuições sociais. Este ganho traduz a aceleração das remunerações médias (8,3% em 2023 vs. 6,0% em 2022), e o consequente efeito preço adicional relacionado com estas duas rubricas. Em sentido contrário, a desaceleração do deflator do consumo privado (5,1% em 2023 vs. 7,1% em 2022) e do índice de Preços do Consumidor (4,3% em 2023 vs. 7,8% em 2022) implicou a redução do “dividendo inflacionista” resultante da receita de IVA de 1405 M€ em 2022 para 939 M€ em 2023, deixando esta rubrica de ser a mais beneficiada por este efeito.
Fonte: INE, MF e cálculos do CFP.
Do exercício realizado conclui-se que, nos últimos dois anos, o efeito preço adicional ou “dividendo inflacionista” contribuiu de modo substancial para o crescimento da receita fiscal e contributiva. Uma estimativa própria aponta para que o impacto global tenha ascendido a 1,6% do PIB em 2022 e a 2,0% do PIB em 2023. Não obstante este relevante contributo para a consolidação orçamental mais recente, sinaliza-se que, com a expectável moderação do ritmo de crescimento das remunerações e dos preços dos bens e serviços no ano de 2024 e seguintes, a margem para obtenção de acréscimos na receita desta magnitude tenderá a ser mais reduzida. Esta perspetiva sugere que, nos próximos anos, os exercícios de programação orçamental terão de se confrontar com taxas de crescimento da receita mais próximas da real dinâmica dos agregados macroeconómicos subjacentes, uma vez que, os efeitos de ordem nominal tenderão a ser menos expressivos do que os recentemente observados.
[1] Foram ainda estimadas as mesmas componentes da receita fiscal e contributiva com base em elasticidades presentes em publicações de outros autores visando a comparação dos valores obtidos, e o robustecimento dos resultados do exercício aqui realizado. Estas publicações incluem:
Braz, C., Campos M., e Sazedj S. (2019). “The new ESCB methodology for the calculation of cyclically adjusted budget balances: an application to the Portuguese case.” Working paper, Banco de Portugal.
Mourre, G., Astarita C., e Princen S. (2014). “Adjusting the budget balance for the business cycle: the EU methodology.” European Economy – Economic Papers 2008 - 2015 536, Directorate General Economic and Financial Affairs, European Commission.
Price, R., Dang T., e Botev J. (2015). “Adjusting fiscal balances for the business cycle: New tax and expenditure elasticity estimates for OECD countries.” OECD Economics Department Working Papers.
Data da última atualização: 15/05/2024