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Contraciclo - O blogue da CFP

Regresso ao futuro: Uma base de dados das projeções macroeconómicas e orçamentais para a economia portuguesa no século XXI

Por: Erica Marujo, João Leal e Tiago Martins

A partir de hoje, passa a ser disponibilizado publicamente no site do CFP um arquivo que reúne, de forma exaustiva e organizada, as projeções macroeconómicas e orçamentais divulgadas pelas principais instituições e organismos nacionais e internacionais de referência desde o ano 2000. Trata-se de uma iniciativa inovadora de compilação e criação de uma base de dados centralizada, constituindo uma ferramenta em formato digital que facilita o acesso célere, livre e sistemático, numa localização única, a um conjunto de informação que atualmente se encontra disperso e, por vezes, num formato de difícil acesso. Trata-se de um serviço que nunca nenhuma outra instituição de cariz público em Portugal tinha proporcionado até ao presente. 

 

A criação, divulgação e futura atualização deste arquivo, enquadra-se na missão do Conselho das Finanças Públicas (CFP). De acordo com os termos conjugados da legislação comunitária diretamente aplicável e da Lei de Enquadramento Orçamental, cabe ao CFP pronunciar-se sobre os objetivos propostos relativamente aos cenários macroeconómico e orçamental, à sustentabilidade de longo prazo das finanças públicas e ao cumprimento das regras orçamentais. Os seus Estatutos apontam que o CFP “contribui para a qualidade da democracia e das decisões de política económica e para o reforço da credibilidade financeira do Estado.” O CFP publica também, de forma tempestiva, pareceres acerca dos cenários macroeconómicos subjacentes às Propostas de Orçamento do Estado (POE) e aos Programas de Estabilidade (PE), e mais recentemente, ao Plano Orçamental-Estrutural Nacional de Médio Prazo (POEN-MP). A criação do arquivo para projeções para a economia portuguesa deverá facilitar todos estes processos, e em paralelo contribuirá para assegurar a memória histórica.

 

Até ao presente, também enquadrado nos objetivos subjacentes à sua missão, o CFP procede à publicação regular de um quadro comparativo das últimas projeções relativas à economia portuguesa. Designado como Consensus, este reúne as últimas projeções para a economia portuguesa divulgadas por diferentes instituições. O quadro comparativo inclui as seguintes entidades: Banco de Portugal (BdP), Comissão Europeia (CE), CFP, Fundo Monetário Internacional (FMI), Ministério das Finanças (MF)[1] e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). No entanto, ao restringir-se apenas aos cenários de projeção mais recentes, esta é uma fotografia estática, não permitindo aferir a evolução das projeções de uma mesma instituição, ou do seu conjunto, ao longo do tempo.

 

Agregou-se a informação atualmente dispersa em 353 publicações individuais. Destas, 99 pertencem ao BdP; 59 ao MF; 55 à CE; 68 ao FMI; 51 à OCDE; e 21 ao CFP. Note-se que o CFP apenas divulga as suas próprias projeções macroeconómicas e orçamentais desde março de 2015.

 

Este arquivo estará acessível através de um interface interativo em formato digital. Constituirá, também, uma importante fonte de informação para a comunidade académica, principalmente na vertente de investigação e avaliação da qualidade e precisão das projeções. Os dados serão divulgados em diferentes formatos (CSV e Excel) e a informação graficamente representada através de diferentes configurações, tendo sido construído um interface interativo no Excel no qual o utilizador pode recorrer a vários filtros. 

 

É também construído um indicador compósito que permite visualizar graficamente a evolução ponderada das projeções, para diferentes anos, e para cada variável, em tempo real. Uma primeira abordagem a esta metodologia foi já divulgada na Caixa 2 do Relatório “Perspetivas Económicas e Orçamentais 2024-2028 (Atualização)”. Inclui-se igualmente outro contributo relevante para quem acompanha a evolução das expectativas dos agentes económicos: dois indicadores compósitos, que ponderam, ao longo do tempo, a evolução das projeções para t+1 (ano seguinte) e t+2 (dois anos), podendo extrair-se destes informação sobre a evolução perspetivada, com um pendor mais cíclico ou mais tendencial, para as várias diferentes variáveis.

 

Este repositório irá apresentar, de forma exaustiva, o histórico de todo o conjunto de projeções anuais elaboradas por essas seis instituições para um conjunto-chave de doze variáveis macroeconómicas. Estas variáveis correspondem ao PIB real e suas componentes da despesa (consumo privado, consumo público, investimento (FBCF), exportações de bens e serviços e importações de bens e serviços), o deflator do PIB, taxa de inflação[2] e o PIB nominal, e à evolução do mercado de trabalho (emprego, taxa de desemprego e produtividade aparente do trabalho). Incluem-se igualmente quatro variáveis orçamentais (saldo orçamental global, saldo primário, juros da dívida pública e stock da dívida pública consolidada, apresentadas em percentagem do PIB). 

 

Exemplo de aplicação prática

Nesta publicação do Blog apresentamos um caso-tipo de aplicação da interface mais interativa desta base de dados, focando-nos num episódio recente: a crise inflacionista de 2022 e 2023. Este episódio pode ser analisado de diferentes perspetivas:

 

Através da evolução da projeção média ponderada para a taxa de inflação do ano seguinte (t+1). O Gráfico 1 ilustra que, entre a crise das dívidas soberanas (2012) e o início de 2022, as perspetivas de inflação a um ano permaneceram baixas, em torno de 1 a 1,5%, manifestamente abaixo do objetivo de política monetária do BCE (2%). Contudo, desde o início de 2022, com o recrudescimento dos preços das matérias-primas e com a invasão da Ucrânia por parte da Rússia, a inflação aumentou substancialmente. Este episódio afetou igualmente as expetativas de inflação por parte das instituições, que ajustaram rapidamente as suas projeções a esta nova realidade. Assim, neste período, as expectativas de inflação atingiram valores próximos de 3,5%. Todavia, após a adoção de uma política monetária mais restritiva por parte do BCE, e o desvanecimento dos choques sobre os preços das matérias-primas, a inflação iniciou um processo de convergência para o valor de referência. As projeções das principais instituições acompanham essa trajetória, mas permaneceram a um nível superior ao que se observou, em média, desde 2012, e apenas comparável aos níveis observados em 2008.

 

Gráfico 1 – Inflação (IPC ou IHPC) – evolução da projeção média ponderada das várias instituições para um horizonte a um ano (t+1)

 

Através da evolução da projeção média ponderada para a taxa de inflação a dois anos (t+2). Tal como esperado, esta revela-se menos volátil (Gráfico 2), particularmente em torno do episódio da crise inflacionista, identificando-o maioritariamente como transitório. Após alcançar cerca de 1% em janeiro de 2021 (que reflete as expectativas à data para 2023), as projeções ponderadas alcançaram 2,2% em janeiro de 2023.  Apesar do seu alívio recente, as expetativas a dois anos permanecem em níveis superiores aos observados no período anterior a 2022.

 

Gráfico 2 – Inflação (IPC ou IHPC) – evolução da projeção média ponderada das várias instituições para um horizonte a dois anos (t+2)

 

Através da evolução da projeção para um dado ano, identificando o intervalo das projeções máximas e mínimas, ou as projeções individuais de cada instituição. Analisando a evolução da projeção média para a taxa de inflação em 2023 (Gráfico 3 e Gráfico 4), constata-se que, até março de 2022, a projeção média ponderada mantinha-se estável num valor ligeiramente acima de 1%. Contudo, com o início da crise inflacionista, observa-se que as instituições começaram a rever em alta as suas perspetivas para a taxa de inflação de forma gradual, até estabilizarem em valores em torno de 5-6%. Posteriormente, desde o final de 2022, a projeção média ponderada tem-se mantido estável, em torno desta estimativa, e próxima do valor efetivo observado.

 

Gráfico 3 – Inflação (IPC ou IHPC) – evolução da projeção ponderada para 2023

 

Gráfico 4 – Inflação (IPC ou IHPC) – evolução da projeção ponderada para 2023

 

Desenvolvimentos futuros

Estão em processo de planeamento e preparação um conjunto de desenvolvimentos futuros desta plataforma. Estes passarão pela construção de uma base de dados pública com os vintages para as variáveis aqui referenciadas, assim como a utilização do quadro comparativo das diversas projeções para a construção de intervalos/bandas de confiança, recorrendo às médias ponderadas já disponibilizadas. 

 

Estes desenvolvimentos beneficiam de comentários da comunidade de utilizadores. Tratando-se de uma nova ferramenta, a sua utilização, regular ou ocasional, irá revelar novos potenciais caminhos para o seu aprofundamento. O CFP convida por isso ao envio de sugestões de melhoria e outras questões sobre o projeto. 

 

Disclaimer:

Esta base de dados foi construída pela equipa técnica do CFP através da recolha de informação de cerca de 350 cenários, publicados por um conjunto de 6 instituições, nacionais e internacionais. Particularmente para publicações menos recentes, a ausência da informação em bases de dados públicas ou em folhas de cálculo, obrigou à recolha manual da mesma. Tal aumenta a probabilidade da ocorrência de erros pontuais nos valores apresentados. Em termos metodológicos, os cenários macroeconómicos analisados recorreram, em diferentes pontos do tempo, a diferentes indicadores para medirem um determinado conceito teórico semelhante: taxa de inflação (IPC, IHPC, deflator do consumo privado), investimento (FBCF, FBC) e emprego (conceito inquérito ao emprego ou contas nacionais). Os horizontes temporais utilizados, o nível de detalhe dos cenários e o formato de apresentação dos mesmos por cada instituição também evoluiu no tempo, pelo que não foi possível reunir de forma completa e exaustiva as projeções para a totalidade dos indicadores que compõem este repositório.

 


[1] É importante ressalvar que as estimativas de todas as instituições são designadas como projeções, uma vez que resultam de exercícios de projeção em políticas invariantes (no policy change), ou seja, que não assumem qualquer alteração de políticas monetárias ou orçamentais, à exceção das estimativas do Ministério das Finanças, que, por já incluírem o impacto de medidas de política económica entretanto já em vigor ou anunciadas com suficiente grau de detalhe designam-se como previsões.

[2] É importante referir que a taxa de inflação é medida como a taxa de variação anual de três variáveis alternativas pelas diferentes instituições em diferentes períodos: Índice de Preços no Consumidor (IPC), Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) e deflator implícito do consumo privado. Esta discrepância observada ao longo do tempo deve-se, por um lado, à insuficiência de observações disponíveis para diversas variáveis, e por outro, à alteração nas convenções internacionais que definem qual a melhor aproximação (melhor variável proxy) à taxa de inflação de uma determinada economia.

Data da última atualização: 11/12/2024

Macroeconomia . 11 dezembro 2024