Trump 2.0: impacto das potenciais tarifas na atividade da economia portuguesa

Após a crise financeira de 2008, o comércio internacional perdeu dinamismo. De acordo com o Banco Mundial, o peso do comércio no PIB mundial cresceu de 41% em 1996 para 60% em 2008, estabilizando desde então (Gráfico 1). Em parte, a slowbalization deveu-se ao amadurecimento das cadeias de produção e distribuição globais, que resultou na diminuição da elasticidade do comércio internacional em relação ao rendimento. O fenómeno tem sido exacerbado pelo enfraquecimento do apoio político ao comércio livre, num contexto de crescentes tensões geopolíticas, acompanhadas pela introdução de novas medidas protecionistas (Quadro 1).
Gráfico 1 – Grau de abertura da economia mundial, % do PIB
Fonte: entre 1870 a 1949, Klasing and Milionis (2014); 1950 a 2018, Penn World Table; 2019 a 2023, World Bank (WDI).
Quadro 1 – Tarifas anunciadas pela Administração Americana
Fonte: Comissão Europeia, Financial Times. Nota: a lista exaustiva pode ser consultada aqui.
As medidas de cariz protecionista podem assumir diferentes configurações. Podem atuar ao nível do preço (tarifas) e volume transacionado (quotas ou proibições); podem também corresponder a barreiras não tarifárias, como a atribuição de subsídios e auxílios de Estado a empresas nacionais, o seu favorecimento na contratação pública e a introdução de requisitos regulamentares (obrigatoriedade de produção local). Ao inibirem transações que, na sua ausência, aconteceriam, as barreiras tarifárias tendem a diminuir a eficiência económica. Ainda assim, a teoria económica admite que esta ineficiência pode ser compensada através de ganhos obtidos com a limitação de concentrações de poder de mercado ou do reforço da segurança económica, por exemplo. O Quadro 2 sintetiza os resultados de simulações publicadas por instituições de referência relativamente ao impacto esperado das medidas implementadas e anunciadas pela nova administração dos EUA.
Quadro 2 – Simulações de impacto por instituições de referência
Fonte: Bundesbank, FMI, UK NIESR, Kiel Institute, Intereconomics e OCDE.
De forma geral, as simulações sugerem um impacto negativo e persistente no crescimento económico, de maior dimensão para os EUA em comparação com a UE. Os cenários incluem, igualmente, a possibilidade de retaliação. Estes impactos têm origem em variados canais de transmissão, entre os quais o volume de trocas comerciais, os preços de importação e no consumidor, a taxa de câmbio, a confiança de consumidores e empresas e, num horizonte mais longo, a produtividade.
Em março de 2025, o Banco de Portugal simulou o impacto de um cenário de aumento das tarifas sobre a atividade em Portugal, sinalizando a importância de considerar o efeito negativo sobre a confiança.[1] É simulado um aumento de 25 p.p. das tarifas impostas pelos EUA sobre os bens exportados pela UE, acompanhado de retaliação de igual magnitude. Para além deste impacto, foi considerado um choque adicional de incerteza, com efeito negativo no consumo e investimento. O impacto global dos choques aponta para uma redução acumulada de 1,1% no PIB, ao final de três anos.
Gráfico 2 – VAB, exposição direta e indireta aos EUA (2022, % do PIB)
Fonte: Eurostat (FIGARO, tabelas input-output referentes a 2022), cálculos CFP.
No contexto europeu, Portugal é um dos Estados-Membros com menor nível de exposição à economia norte-americana, com 2½% do PIB direta e indiretamente exposto à procura final nos EUA (Gráfico 2). Ainda assim, em termos brutos, os EUA são o quarto maior parceiro comercial nas exportações de bens e o quinto no caso dos serviços. Em 2024, os EUA representaram 10% das exportações de serviços e 7% da exportação de bens, totalizando 5900 M€ e 5300M€, respetivamente. Os produtos farmacêuticos (22%), os combustíveis líquidos (20%), a borracha e artigos relacionados (7%) e o equipamento e maquinaria elétrica (6%), são os bens com maior representatividade. Em 2024, os EUA representaram 5,5% do stock de investimento direto estrangeiro. De acordo com dados do Eurostat para 2022, aproximadamente 97 mil postos de trabalho (2% do total da população empregada) estão direta ou indiretamente relacionados com exportações para os EUA.
Embora reduzida, a dependência face aos EUA tem aumentado nos últimos anos (Gráfico 3). Entre 2019 e 2024, este mercado contribuiu significativamente para o aumento das exportações portuguesas, sendo responsável por 18% do crescimento das exportações relacionadas com o turismo, 14% das exportações de outros serviços e 12% das de bens. Os sectores com maior dependência deste mercado são as armas e munições (71% do total de exportações é dirigido aos EUA), produtos farmacêuticos (35%) e combustíveis líquidos (essencialmente produção de combustíveis pesados da gasolina da refinaria da Galp em Sines), borracha, cortiça e outros produtos têxteis (entre 16% e 20%) (Gráfico 4). Em conjunto, estes representavam 3200M€ em valor bruto de exportações. Adicionalmente, as balanças de bens e de serviços são significativamente excedentárias, totalizando 6620 M€ em 2024.
Gráfico 3 – Exposição económica de Portugal ao mercado dos EUA
Exposição económica de Portugal ao mercado EUA (em % do total das exportações do sector) |
Contribuição do mercado EUA para o crescimento das exportações, desde 2019 |
Fonte: Banco de Portugal, cálculos CFP.
Apesar de se tratar de uma pequena economia aberta, a participação na UE oferece alguma proteção face à fragmentação da economia mundial. Com efeito, a maioria dos fluxos comerciais externos de Portugal ocorre dentro do mercado único, que procura assegurar a livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas. À medida que os países procuram reforçar a sua segurança económica e minimizar o impacto da incerteza, o comércio com países geopoliticamente mais próximos surge como prioridade (Amador et al., 2024). Num contexto de realinhamento global e reconfiguração dos fluxos comerciais, a posição geográfica de Portugal pode configurar uma vantagem comparativa.
Gráfico 4 – Exportações para os EUA (2024)
Peso das exportações para os EUA (em % do total do sector) |
Variação do peso relativo das exportações para os EUA |
Peso de cada sector |
Fonte: UNCTAD, cálculos CFP.
O desencadear de uma guerra comercial constitui um risco descente para a atividade da economia portuguesa no curto-prazo. A transmissão dos efeitos económicos das barreiras tarifárias ocorre através de múltiplos e complexos canais, baseando-se necessariamente as simulações disponíveis em hipóteses simplificadoras. Existe por isso um grau de incerteza significativo nas estimativas apresentadas.
Abstraindo de efeitos de equilíbrio geral, poder de fixação dos preços e efeitos na taxa de câmbio, o impacto no crescimento económico dependerá do efeito combinado de: o aumento efetivo das tarifas (aproximadamente 20 p.p. para a UE); o valor acrescentado bruto nacional incorporado na procura final dos EUA (Gráfico 2); e da elasticidade das importações americanas face ao aumento dos preços, tendencialmente entre -0,5 e -1,0 (uma hipótese simplificadora, dado que a elasticidade varia de acordo com o tipo de produto transacionado. Ver Cavallo et al. (2021) e Boer et al. (2024)). Em conjunto, o impacto direto, sem contar com efeitos de confiança, poderá alcançar os -0,5% do nível do PIB.
[1] Banco de Portugal (2025). “Caixa 2 – Impacto de um cenário de aumento das tarifas sobre a atividade em Portugal”, Boletim Económico, março de 2025. Ver também Manteu et al. (2017) para Portugal.
Referências bibliográficas
Amador, J., Carvalho, A., Correia, A., e Garcia, J. (2024). O comércio internacional português e a fragmentação da economia mundial. Boletim Económico do Banco de Portugal, dezembro.
Beebe, J., Jackson, C., Kindberg-Hanlon, G., Muir, D. & Portillo, R. (2024, outubro). Risk Assessment Surrounding the World Economic Outlook’s Baseline Projections. World Economic Outlook: Policy Pivot, Rising Threats. International Monetary Fund.
Bernard, S., De Greef, L., Hurst, I., Kaya, A., Liadze, I., & Naisbitt, B. (2024). The Effects of Higher US tariffs. National Institute Global Economic Outlook.
Bundesbank (2024, dezembro). Forecast for Germany: Significantly gloomier growth outlook – inflation decreases to 2%. Monthly Report.
Hinz, J. (2025, Janeiro). Trump's tariff threats could harm North American economies. Kiel Institute Media Information. Kiel Institute for the World Economy.
Demertzis, M. (2024). Trade at the Heart of the EU’s Economic Security. Intereconomics, 59(6), 313–318.
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McKibbin, W., Hogan, M. & Noland, M. (2024, setembro). The International Economic Implications of a Second Trump Presidency. Peterson Institute for International Economics.
McKibbin, W., Hogan, M. & Noland, M. (2025, janeiro). Trump's threatened tariffs projected to damage economies of US, Canada, Mexico, and China. Peterson Institute for International Economics.
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico. (2025). Steering through uncertainty. Economic Outlook, Interim Report, março.
Kiel Trade and Tariffs Monitor, Kiel Institute.
*Artigo publicado originalmente no relatório 02-2025 do CFP, "Perspetivas Económicas e Orçamentais 2025-2029".
Data da última atualização: 16/04/2025