
Carlos Marinheiro, membro do Conselho Superior do Conselho das Finanças Públicas, foi um dos oradores convidados para o debate nacional sobre a reforma da governação económica na União Europeia, promovido pela Representação da Comissão Europeia em Lisboa.
O debate contou ainda com a participação de João Nogueira Martins (Comissão Europeia), Cláudia Braz (Banco de Portugal) e Ricardo Paes Mamede (economista), com a moderação da jornalista Helena Garrido, enquanto a abertura da sessão ficou a cargo de Sofia Moreira de Sousa, representante da Comissão Europeia em Portugal.
Na sua intervenção, Carlos Marinheiro, que interveio a título pessoal, referiu que esta proposta da Comissão procura simplificar o edifício complexo de regras mantendo o limite dos 3% para o défice orçamental e um único indicador operacional que é a despesa primária (ou seja, despesa antes dos juros da dívida) líquida de medidas discricionárias do lado da receita, da componente cíclica da despesa com subsídios de desemprego e do financiamento via fundos comunitários (que têm um impacto neutro no saldo). Trata-se de um indicador semelhante a um já existente e bem complicado de calcular e sobretudo de comunicar, desconhecendo-se, no entanto, ainda a sua definição em concreto. Esse agregado modificado de despesa deverá evoluir de acordo com uma dada trajetória que deverá permitir aos países com dívida elevada, como é o caso de Portugal, colocar o rácio da dívida no PIB numa trajetória descendente ao final de quatro anos, sem que para isso seja necessário adotar quaisquer medidas adicionais de política orçamental. Essa trajetória decorrerá da utilização de Análises de Sustentabilidade da Dívida pública (DSA).
O objetivo último parece ser garantir a sustentabilidade da dívida. O participante do CFP manifestou concordância com esse objetivo, mas tem dúvidas relativamente à forma de se alcançar o mesmo. A evolução do rácio da dívida depende do saldo primário, ou seja, da receita menos a despesa antes de juros, da diferença entre a taxa de juro implícita da dívida e o crescimento do PIB (o famoso r-g), do stock inicial de dívida e dos ajustamentos défice-dívida. Ou seja, não é só a evolução da despesa que determina a evolução da dívida. Assim, para evitar surpresas no final dos quatro anos, o indicador de despesa teria de ter uma evolução muito prudente para conseguir resistir aos choques económicos mais extremos. Contudo, se assim for vai contra a ideia da Comissão que é a de conceder mais tempo para reduzir o rácio da dívida.
Relativamente às dúvidas que a proposta suscita, o vogal do CFP referiu-se a dois cenários distintos:
- Um dado país cumpre o plano de despesa, mas os desenvolvimentos económicos foram mais adversos do que o assumido no plano inicial, no final desse período de quatro anos o rácio da dívida em vez de estar a descer está a subir. O país que cumpriu o plano não é sancionado?
- Um outro país vê o seu agregado de despesa crescer acima do previsto no respetivo plano, mas os desenvolvimentos macroeconómicos foram mais favoráveis do que o previsto. Como o rácio da dívida depende de fatores que não só a despesa primária, seja porque esse país beneficiou de um crescimento superior ao previsto, de receitas inesperadas (“windfalls”) ou de uma evolução mais benigna dos encargos com juros da dívida, no final desses quatro anos verifica-se uma redução clara do rácio da dívida. Contudo, esse país não cumpriu o plano de despesa. É sancionado?
No tocante aos países com dívida elevada, Carlos Marinheiro questionou como os mercados financeiros irão reagir, nomeadamente se terão a “paciência suficiente” para esperar quatro anos até verem o rácio da dívida a baixar. O ajustamento preconizado parece ser muito backloaded. O recente exemplo britânico não é tranquilizador neste domínio, não tendo os mercados revelado disponibilidade para financiar um défice orçamental acrescido proposto pelo Governo de Liz Truss. Permitir que os estabilizadores automáticos funcionem livremente com dívida alta pode não ser possível em todas as circunstâncias.
Por último, Carlos Marinheiro suscitou a questão do que sucede em relação ao Tratado Orçamental (Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária) que se refere às regras de redução da dívida e saldo estrutural e foi assinado pelos países membros da área do euro.