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SEE

O Relatório “Sector Empresarial do Estado, SEE 2019-2020”, publicado pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP), constitui um documento pioneiro sobre este sector, tornado agora possível, em grande medida, pelo acesso a informação disponibilizada pelas várias entidades relevantes. 

 

O relatório apresenta um retrato detalhado da situação patrimonial das 143 empresas públicas que constituem o Sector Empresarial do Estado (SEE), em especial das 88 empresas não financeiras. 

 

A função acionista nestas 143 entidades é exercida pelo Estado central e a participação social ascendia a 30 986 M€ em 2020, representando 15,5% do PIB nacional (+1,7 p.p. que em 2019). Os 158 958 profissionais que desempenhavam funções no sector no final de 2020 (+3,5% que em 2019) representavam 22,1% do emprego público e 3,4% do emprego nacional. A pandemia de COVID-19 teve um impacto muito negativo no desempenho económico destas entidades, com o valor acrescentado bruto (VAB) a contribuir 3,1% para o PIB e 3,6% para o VAB nacional, em 2020 (-1,3 p.p. e -1,5 p.p. que em 2019, respetivamente).

 

As 88 empresas não financeiras contaram com 144 714 profissionais ao serviço em 2020, mais 4,5% que em 2019, mas registaram uma quebra de 23,5% no volume de negócios face a 2019, para 9,3 mil M€, e uma descida de 38,5% na criação de VAB para 4,7 mil M€, representando uma degradação muito significativa dos seus resultados económicos durante o biénio 2019-2020, refletindo os efeitos negativos da COVID-19. O EBITDA passou de 1,5 mil M€ em 2019 para um valor residual de 12 M€ em 2020, enquanto o resultado operacional caiu de 131 M€ para -1,6 mil M€ e o resultado líquido atingiu -2,5 mil M€, representando um agravamento de 1,7 mil M€ face a 2019.

 

Globalmente, o ativo deste grupo de empresas aumentou 621,5 M€ face a 2019, para 59,4 mil M€ em 2020, mas o passivo cresceu 1,2 mil M€, passando para 56,2 mil M€ em 2020, o que degradou fortemente o capital próprio destas empresas (3,15 mil M€ em 2020, -15% que em 2019). Esta deterioração do capital próprio reflete os resultados negativos do exercício de 2020, os quais absorveram boa parte das entradas de capital realizadas pelo Estado nesse ano (+ 1,5 mil M€). Nesta sequência, eram 33 as empresas públicas que no final de 2020 apresentavam capitais próprios negativos (estando assim na situação de falência técnica). 

 

Dois sectores de atividade concentravam mais de 80% dos agregados económico-financeiros das empresas não financeiras do Estado, no final de 2020: o sector da saúde, que tinha o maior número de profissionais (78%), de volume de negócios (55%) e de gastos operacionais relevantes (65%); e o sector dos transportes e armazenagem, que reunia a maior parte do ativo (70%) e do capital social investido pelo Estado (67%).

 

Todas as empresas públicas do SNS registaram resultados líquidos negativos em 2020, num total agregado de -775,7 M€ (-750,1 M€ em 2019) e mais de metade apresentavam capitais próprios negativos, num total de 22, no final de 2020.
No sector dos transportes e armazenagem, o volume de negócios caiu 50,6% face a 2019, com maior impacto na área dos transportes. Os gastos operacionais relevantes tiveram uma redução inferior (-37,7%), o que deteriorou o VAB e a eficiência operacional, gerando um resultado líquido global de -1,7 mil M€, em 2020, um valor que compara com os -200 M€ reportados em 2019. 

 

O sector das empresas financeiras do Estado atingiu um resultado líquido positivo de 606 M€ em 2020 (uma redução de 176 M€ face a 2019).

 

O esforço financeiro líquido do Estado totalizou 5,1 mil M€ em 2020, menos 14,6% do que em 2019, representando 2,5% do PIB desse ano. As receitas provenientes do SEE reduziram-se em 32,9%, para 248 M€, fruto da quebra dos dividendos (-214 M€). Os fluxos financeiros dirigidos ao sector também reduziram, totalizando 5,6 mil M€ em 2020 (-16,7% que 2019), estando distribuídos entre dotações de capital (36,3%), transferências e subsídios (33,6%) e empréstimos (30,1%). 
O investimento pago pelas empresas do SEE em 2020 totalizou 1864 M€, mais 4,5% do que em 2019, o equivalente a 0,9% do PIB, com a rubrica de ativos fixos intangíveis representando mais de 50% do volume total de pagamento efetuados. 

 

Em termos de responsabilidades contingentes, destacam-se as garantias do Estado ativas no final de 2020, que ascendiam a 6 392 M€ (3,2% do PIB). Cerca de 20% destas garantias estavam associadas a entidades públicas classificadas fora do sector das Administrações Públicas (1,3 mil M€), podendo vir a ter impacto no défice e na dívida pública se acionadas. A segunda forma de responsabilidades contingentes mais relevante resulta do endividamento das empresas públicas, nomeadamente daquelas que estão fora do sector das Administrações Públicas, cujo montante global de endividamento se manteve em torno dos 2,3 mil M€, em 2020 (1,2% do PIB).

 

Da situação do SEE descrita no Relatório podem retirar-se alguns comentários ou ilações. Em primeiro lugar, denota-se a forte exposição deste sector a choques exógenos, sejam de natureza mais conjuntural, como foi a pandemia, sejam de natureza mais estrutural, como é o impacto das alterações demográficas e climáticas. Por isso, mais até do que as entidades do sector público administrativo, as empresas públicas deverão hoje, nos seus instrumentos de gestão de médio e de longo prazo, proceder a uma correta identificação dos diferentes riscos, avaliação (preditiva) dos seus impactos e adoção das necessárias medidas de prevenção e contenção. Em segundo lugar, ainda que o papel do Sector Público Empresarial deva ser aceite e reconhecido em áreas de interesse estratégico para a economia nacional (e.g. armazenagem e logística) ou de realização de serviços de interesse económico geral (e.g. saúde e transportes coletivos de passageiros), a verdade é que essa atuação se faz num contexto concorrencial e segundo princípios de mercado, até por imposição da legislação europeia, obrigando pois ao desenvolvimento e aprovação tempestiva de instrumentos de gestão promotores da melhoria dos principais indicadores financeiros, de eficiência operacional e de solvabilidade. Esta exigência é agora mais crítica do que nunca – num quadro de forte deterioração verificada nos últimos anos e com sinais preocupantes no imediato - não apenas para garantir a sustentabilidade financeira futura destas entidades, mas do Estado no seu todo, enquanto seu acionista exclusivo ou maioritário. Em terceiro lugar, impõe-se precisamente densificar o exercício de tal função acionista do Estado num quadro jus-privatístico de atuação, através da definição de orientações verdadeiramente estratégicas para as empresas nas diferentes áreas e tendo em conta o seu papel na economia nacional. O quadro de planeamento estratégico, financeiro e gestionário do SEE, aliás já decorrente da legislação aplicável, deve ser cabalmente concretizado em termos práticos. A sua implementação completa e adequada é crítica para assegurar que as empresas públicas em Portugal possam evitar ser instrumento de absorção ineficiente de recursos públicos e se afirmem como promotoras de desenvolvimento económico, de competitividade do país, de “crowding-in” do sector privado e ainda (mas não menos importante) de cabal satisfação do interesse público.

Data da última atualização: 10/05/2022

Sectores das Administrações Públicas . Relatório nº 4/2022 . 10 maio 2022