2022 será o primeiro ano em que se prevê uma execução expressiva do PRR (1,4% do PIB) e um PIB em volume que superará o valor atingido antes da pandemia. Contudo, a pandemia e o choque geopolítico decorrente da invasão da Ucrânia terão um impacto considerável nas finanças públicas.
A Proposta de Orçamento do Estado (POE/2022) prevê para 2022 um défice orçamental de 1,9% do PIB, representando uma redução de 0,9 p.p. do PIB face a 2021, que se encontra penalizada pelo impacto desfavorável de medidas one-off. Excluindo o impacto dos one-off, o défice ajustado fixar-se-ia em 1,8% do PIB evidenciando uma melhoria de 1,4 p.p. do PIB, valor que compara com 2,0 p.p. realizados em 2021. Globalmente, a análise efetuada pelo Conselho das Finanças Públicas aponta para que os objetivos de saldo orçamental e de dívida pública sejam passíveis de atingir, assim não se materializem a totalidade dos riscos descendentes também identificados.
Para a redução do défice orçamental muito contribuirá a retoma progressiva da atividade económica e a eliminação de grande parte das medidas de emergência adotadas na resposta à crise pandémica. A dimensão do efeito destes dois fatores no saldo ascende a 6815 M€, mais do quádruplo da melhoria de 1576 M€ que o Ministério das Finanças prevê para o saldo orçamental em 2022. Sendo 2022 o primeiro ano de um processo inflacionista não totalmente antecipado, o saldo orçamental tende a melhorar no muito curto prazo por via de vários mecanismos que, contudo, rapidamente se esgotam.
Em 2022, o rácio da receita pública sobre o PIB deverá situar-se em 44,7% do produto nominal, decrescendo 0,6 p.p. do PIB face ao valor registado no ano anterior. Para esta evolução contribuirá, em grande medida, o decréscimo da carga fiscal para 35,1% do PIB em 2022, representando uma queda de 0,4 p.p. do PIB face a 2021, ano em que aquele indicador atingiu o valor mais elevado dos últimos 27 anos (35,6% do PIB).
O peso da despesa pública no PIB deverá baixar de 48,1% em 2021 para 46,6% em 2022. Esta redução prevista de 1,5 p.p. do PIB (que excluindo o efeito do PRR seria de 2,9 p.p. do PIB) beneficia do efeito do denominador, uma vez que o crescimento do produto nominal (7,5%) é superior ao da despesa pública (4,1%).
Descontando o efeito do ciclo económico e das medidas pontuais e temporárias, estima-se que o défice estrutural subjacente à POE/2022, recalculado pelo CFP, seja 1,8% do PIB.
O MF prevê que o rácio da dívida pública prossiga a trajetória de redução retomada em 2021, antecipando uma descida daquele indicador de 127,4% do PIB em 2021 para 120,7% do PIB em 2022.
Sobre a previsão orçamental para 2022 impendem alguns riscos orçamentais que foram assinalados pelo CFP no Relatório das Perspetivas Económicas e Orçamentais 2022-2026, e que a análise à POE/2022 vem reforçar. Assim, entre os riscos descendentes sobre o saldo destacam-se:
- A incerteza sobre a duração e a escalada do conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia, cujas consequências poderão implicar um impacto de magnitude superior ao previsto pelo Governo nas medidas de mitigação que pretende implementar em 2022 ou determinar a adoção de medidas adicionais;
- Surgimento de novas variantes da COVID-19 que, não obstante os progressos na vacinação e controlo da doença, poderão retardar a redução e eliminação das medidas relacionadas com a pandemia, penalizando a recuperação do equilíbrio orçamental;
- Ativação das garantias do Estado concedidas no âmbito de algumas das medidas de resposta à crise pandémica e ao choque geopolítico, nomeadamente linhas de crédito a empresas;
- Sobrestimação das poupanças e ganhos de eficiência a obter no âmbito do exercício de revisão de despesa;
- As responsabilidades relacionadas com pedidos de reposição do equilíbrio financeiro e ações arbitrais submetidas por concessionárias e subconcessionárias no âmbito de projetos de Parcerias Público-Privadas (PPP) que impliquem uma despesa superior à considerada na POE/2022;
- Transferências adicionais para o Novo Banco ao abrigo do Acordo de Capitalização Contingente;
- A eventualidade de a TAP poder necessitar de apoios financeiros superiores aos considerados pelo MF na POE/2022 em contas nacionais.
No sentido ascendente, uma elasticidade da receita fiscal e contributiva face às respetivas bases de incidência mais elevada do que o assumido na POE/2022 contribuiria para uma evolução do saldo melhor do que o aí previsto.
No Relatório que acompanha a POE/2022 encontra-se incluída uma proposta de atualização do quadro plurianual das despesas públicas (QPDP) para o período de 2022 a 2026 que, contudo, não consta de uma proposta de Lei das Grandes Opções. A prática recorrente de atualização do quadro plurianual em conjunto com o Orçamento que a este deveria estar vinculado transforma, na prática, o QPDP num mero exercício formal, subordinado à lógica orçamental anual.
Em resultado da ausência de uma orçamentação verdadeiramente plurianual, o Orçamento anual do Estado mantém-se como epicentro da nossa práxis orçamental, continuando a sobrevalorizar-se o seu papel face ao que seria suposto no quadro de aplicação estrita da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) vigente: os decisores orçamentais continuam a imputar sistematicamente a este documento anual as grandes opções de política económica que, nos termos daquela mesma Lei, deveriam ser partilhados com instrumentos plurianuais.
Data da última atualização: 27/04/2022