Da execução de 2022 à previsão orçamental para 2023
A Proposta de Orçamento do Estado (POE/2023) prevê para 2023 um défice de 0,9% do PIB, superior em 0,2 p.p. ao objetivo constante no Programa de Estabilidade apresentado em março pelo anterior Governo Constitucional (PE2023). Os encargos com juros justificam este maior défice refletindo o agravamento do custo de financiamento nos mercados. Apesar desta revisão, excluindo o efeito de medidas one-off, o ritmo de redução anual prevista para o défice é, ainda assim, superior ao previsto nesse documento. A melhoria prevista para o saldo permite aproximá-lo de uma posição mais perto do equilíbrio, permitindo criar uma margem de segurança capaz de responder às flutuações cíclicas normais sem incorrer em situação de défice excessivo.
A dissipação dos efeitos de medidas de resposta à crise pandémica e ao choque geopolítico são responsáveis pelo maior contributo para redução do défice em termos absolutos (nominais), acompanhado em menor escala pelo cenário macroeconómico cujo contributo reflete essencialmente o efeito dos preços num contexto de inflação. No conjunto, a dimensão no saldo daqueles contributos ascende a 8808 M€, mais do que suficiente para acomodar o impacto desfavorável no saldo das medidas discricionárias de natureza permanente explicitadas na POE/2023 (7280 M€) e o impacto igualmente desfavorável de uma maior despesa com medidas one-off em 2023 (436 M€).
A redução nominal prevista para o défice em 2023 depende ainda da concretização de “outros efeitos” com impacto positivo no saldo de 1050 M€, que não têm tradução no cenário macroeconómico nem na explicitação de medidas de política que lhe está subjacente. Parte do impacto no saldo destes “outros efeitos" decorre dos efeitos de medidas não especificadas na previsão, ou da utilização condicionada das dotações orçamentais que o decisor político tem ao seu dispor, num quadro de gestão discricionária que assegure os objetivos orçamentais.
Ainda no âmbito da avaliação da previsão orçamental para 2023, o exercício de projeção do CFP realizado com base no cenário macroeconómico e nas medidas de política previstas na POE/2023 aponta para um défice de 1,1% do PIB e um rácio da dívida de 111% PIB. No entanto, esta projeção resultaria inferior em 0,4 p.p. para cada um daqueles indicadores, caso se admitissem os pressupostos do Ministério das Finanças para a redução da “outra despesa de capital”.
Desenvolvimentos orçamentais previstos para a receita e despesa em 2023
A POE/2023 prevê que a receita das AP em rácio do PIB se situe em 44,5%, mais 0,4 p.p. do PIB do que o estimado para 2022. A receita de capital contribuirá com o aumento do seu peso no PIB em 0,9 p.p. do PIB, traduzindo a expetativa do aumento das transferências a receber ao abrigo do PRR, a qual mais do que compensa o decréscimo de 0,5 p.p. do PIB previsto para a carga fiscal, um indicador que de acordo com estimativa do MF para 2022 terá atingido um novo máximo desde 1995 (35,6% do PIB). Nominalmente, a receita pública deverá ascender a 111 027 M€, crescendo 6218 M€ face ao valor estimado para o ano anterior. A receita fiscal e contributiva justificará parte desse crescimento assente, em grande medida, na evolução esperada para o cenário macroeconómico inscrito na POE/2023. A previsão da receita fiscal aponta para uma variação ligeiramente acima da esperada para os agregados macroeconómicos subjacentes, devido ao facto de os impostos indiretos, e mais concretamente o IVA e os IEC, apresentarem elasticidades face ao consumo privado nominal acima da unidade, pese embora esta aparente sobrestimação ser sobretudo reflexo de uma subavaliação da estimativa de execução para 2022. Note-se, ainda, que uma eventual sobrestimação da tributação indireta seria compensada pelo facto de o IRC apresentar uma elasticidade que se encontra substancialmente abaixo da unidade (0,5), levando a um crescimento desta receita consideravelmente abaixo da evolução prevista para a atividade económica. Assim, com base no cenário macro da proposta de orçamento, a receita fiscal no próximo ano afigura-se como genericamente atingível. A evolução da receita contributiva está sustentada, fundamentalmente, no aumento previsto para as contribuições sociais efetivas que, com uma elasticidade face às remunerações igual à unidade, deverão apresentar um crescimento mais moderado do que o sugerido pelo padrão de evolução exibido nos últimos anos. Já a receita não fiscal e não contributiva, impulsionada pelos fundos a receber no âmbito do PRR justificará um contributo semelhante para a evolução do total da receita pública, sugerindo este crescimento uma sobrestimação, devido à não especificação de medidas que justifiquem o acréscimo inscrito pelo MF na POE/2023.
O peso da despesa pública no PIB deverá baixar de 46,0% em 2022 para 45,4% em 2023. Esta redução prevista de 0,6 p.p. do PIB (que excluindo o efeito do PRR seria de 1,7 p.p. do PIB) beneficia do efeito do denominador, uma vez que o crescimento do produto nominal previsto (4,9%) é superior ao da despesa pública (3,7%). Em termos nominais, a despesa das AP deverá aumentar 3995 M€ e atingir 113 233 M€ em 2023. O acréscimo previsto é maioritariamente justificado pela despesa corrente primária, que deverá aumentar 2220 M€, dos quais 1430 M€ nas despesas com pessoal (será o aumento nominal mais expressivo desde 2013, sobretudo em função dos aumentos salariais e da valorização das carreiras nas AP) e 1388 M€ no consumo intermédio (no âmbito do qual o MF prevê um efeito de carry-over na ordem dos 1078 M€). Em sentido oposto, o MF prevê reduções de 1002 M€ nos subsídios e de 71 M€ nas prestações sociais, no pressuposto da dissipação do impacto dos apoios extraordinários às famílias e empresas concedidos no contexto do choque geopolítico e da subida dos preços, bem como da eliminação das medidas COVID-19 no final do corrente ano. Assinale-se, contudo, que no caso das prestações sociais as medidas apresentadas na POE/2023 implicam uma redução bastante mais expressiva, o que sugere que possa haver margem orçamental para a adoção de novas medidas de política. Pela primeira vez desde 2014, os encargos com juros deverão registar um aumento (de 1197 M€), interrompendo a tendência de redução evidenciada desde então. No âmbito da despesa de capital está previsto um aumento de 578 M€, em resultado de um acréscimo de 2323 M€ na FBCF (que será o mais expressivo da série estatística do INE em termos absolutos, impulsionado pela aceleração dos investimentos públicos a realizar ao abrigo do PRR) e de uma redução de 1746 M€ na “outra despesa de capital”, ainda que as medidas de política especificadas pelo MF não justifiquem um decréscimo tão expressivo.
Postura da política orçamental
O défice estrutural subjacente à POE/2023 deverá situar-se nos 0,9% do PIB. Esta estimativa, que exclui o efeito do ciclo económico e as medidas pontuais e temporárias, aponta para uma melhoria do saldo estrutural em 1,5 p.p. do PIB em 2023, no contexto de uma postura da política orçamental restritiva procíclica. A vertente restritiva é mitigada pelo PRR que permite conferir à economia um estímulo direto superior a 1% do PIB que não se reflete no agravamento do défice.
Quadro Plurianual das Despesas Públicas
Em simultâneo com a POE/2023 foi apresentada uma proposta de lei das grandes opções em matéria de planeamento que integra um quadro plurianual das despesas públicas (QPDP) para o período de 2023 a 2027. Esta situação denota uma continuada prevalência da lógica orçamental anual em detrimento da perspetiva de médio e longo prazo o que leva a que, na prática, o QPDP constitua presentemente mais um exercício formal do que um instrumento de responsabilização orçamental. O quadro plurianual apresenta ainda diversas fragilidades, nomeadamente quanto à transparência orçamental.
Dívida Pública
O Ministério das Finanças prevê que o rácio da dívida pública se reduza pelo terceiro ano consecutivo, antecipando uma descida de 4,2 p.p. do PIB, para 110,8% do PIB em 2023. O efeito dinâmico justifica esta diminuição, fortemente influenciado pelo efeito PIB (-5,4 p.p. do PIB), e também pelo efeito saldo primário (-1,6 p.p. do PIB). Estes contributos favoráveis para a redução do rácio da dívida pública anulam o impacto desfavorável do efeito juros (2,5 p.p.) e do ajustamento défice-dívida (0,3 p.p. do PIB). As necessidades brutas de financiamento do Estado deverão, de acordo com a previsão do MF, aumentar em 2023, sendo o financiamento líquido do Estado assegurado principalmente por Obrigações do Tesouro (104% das emissões líquidas).
O aumento expressivo dos juros previsto na POE/2023 reflete-se na subida da taxa de juro implícita da dívida pela primeira vez desde 2011. O MF prevê que esta taxa de juro se eleve de 1,8% em 2022 para 2,2% do stock médio da dívida em 2023. É expectável que o atual contexto de aumento da inflação e consequentes medidas de normalização da política monetária, bem como a incerteza gerada pela guerra Rússia-Ucrânia, continuem a contribuir para a subida gradual dos custos de financiamento. Por outro lado, assinala-se que a repercussão do aumento das taxas de juro no custo da dívida será efetivada de forma gradual, pois incide apenas sobre a proporção de dívida a refinanciar anualmente. No exercício do CFP que incorpora os pressupostos subjacentes à POE/2023, projeta-se um peso dos juros inferior (2,2% do PIB) ao previsto pelo Ministério das Finanças para 2023 (2,5% do PIB).
Riscos Orçamentais
Sobre a previsão orçamental para 2023 impendem alguns riscos orçamentais que foram assinalados pelo CFP no âmbito da atualização das Perspetivas Económicas e Orçamentais 2022-2026, e que a análise à POE/2023 vem reforçar. Neste âmbito sublinham-se os três principais riscos que se prendem com:
- (i) um cenário macroeconómico mais desfavorável do que o subjacente à POE/2023, o que implicaria, desde logo, um menor volume de receita arrecadada e um maior montante de despesa pública, conduzindo a um maior défice orçamental e dívida pública
- (ii) a necessidade de adoção de novas medidas de política, ou prolongamento de medidas já existentes, destinadas ao apoio de famílias e empresas como resposta à intensificação dos efeitos decorrentes do choque geopolítico, não sendo de excluir, o eventual prolongamento de algumas medidas de mitigação da crise pandémica, em resultado do surgimento de novas variantes; e
- (iii) os demais riscos contingentes identificados no relatório.
Data da última atualização: 25/10/2022