No relatório “Riscos orçamentais e Sustentabilidade das Finanças Públicas”, agora publicado pelo Conselho das Finanças Públicas, o crescimento da produtividade em Portugal é identificado como o principal risco macroeconómico no longo-prazo. O CFP perspetiva que, entre 2021 e 2035, o PIB real cresça a uma média de 1,9% por ano. Neste horizonte, na ausência de choques, o ritmo de crescimento da economia deverá convergir para 0,7% no longo-prazo, em linha com o crescimento potencial estimado para a economia portuguesa. No cenário do CFP, a recuperação do choque da pandemia e a convergência do crescimento da produtividade do trabalho para 1,1% no longo-prazo estão dependentes da robustez da intensidade do capital. O contributo da acumulação de capital, no longo-prazo, pressupõe a manutenção de condições de financiamento favoráveis e a estabilização do rácio de investimento no produto em torno dos valores projetados para o final do período de execução do PRR (2021-2026) – o qual pressupõe uma eficiente execução do plano e absorção dos fundos na economia.
As alterações climáticas e os seus impactos diretos e indiretos constituem um forte desafio em todos os países do mundo. Os riscos descendentes de curto e de longo-prazo para a economia e finanças públicas portuguesas deverão aumentar substancialmente em resultado dos riscos físicos e de transição das alterações climáticas. Apesar de Portugal já ter aprovado vários planos de ação que visam a transição para a neutralidade carbónica da economia, estes apresentam um insuficiente levantamento das necessidades de investimento a realizar, tanto pelo sector público como pelo sector privado, e respetivas fontes de financiamento. Urge assim desenvolver a sua dimensão financeira para garantir a concretização das metas acordadas.
Despesa
Em 2019, as despesas com pessoal juntamente com as prestações sociais, duas das principais componentes da despesa que se podem tipificar como despesa rígida, representavam quase três quartos (74,4%) da despesa primária ajustada, um peso que tem vindo a aumentar desde 1995, quando representavam 66,8% desse agregado. Importa acautelar que, tal como sucedeu entre 2014 e 2019, a evolução destas componentes mais rígidas da despesa continuem a não crescer tanto quanto o PIB. Isto para evitar a redução do espaço para a realização de despesa mais flexível, mas não menos necessária, como é o caso da despesa de investimento, para manter o stock de capital público e fazer face às referidas alterações climáticas.
As despesas associadas ao envelhecimento da população, principalmente as relativas a pensões e saúde, têm apresentado um aumento contínuo ao longo do tempo, colocando desafios económicos, orçamentais e sociais. De acordo com as recentes projeções da despesa para o médio e longo prazo, publicadas no 2021 Ageing Report, serão necessários esforços adicionais em termos de finanças públicas para manter o nível de benefícios sociais concedidos atualmente. Este esforço poderá até estar subavaliado nesse exercício, uma vez que a diminuição prevista do valor futuro das pensões de velhice do sistema contributivo coloca pressões adicionais no sistema não contributivo. De facto, à medida que o valor das pensões se aproxima do valor legal mínimo estabelecido, maior o número de beneficiários que terá acesso a prestações complementares previstas no sistema não contributivo. Importaria assim fazer uma avaliação da adequação dos benefícios futuros atribuídos pelos sistemas de pensões, incluindo os efeitos das reformas adotadas. No domínio da despesa com saúde, a Comissão Europeia projeta para Portugal um aumento de 1,6 p.p. do PIB entre 2019 e 2070, o quarto maior do conjunto da União Europeia. Relativamente à despesa com cuidados continuados em Portugal deverá passar de 0,4% do PIB em 2019, para 0,8% em 2070, um aumento de 0,4 p.p. do PIB, que compara com um crescimento esperado para o conjunto da UE de 1,1 p.p. do PIB.
Responsabilidades contingentes
As responsabilidades (ou passivos) contingentes constituem um risco para a sustentabilidade de médio e longo prazo das finanças públicas.
A resposta à crise pandémica obrigou à adoção pelo governo de medidas extraordinárias de apoio à liquidez das famílias e empresas. As garantias públicas concedidas a linhas de crédito criadas no âmbito da COVID-19 e os regimes de moratórias no âmbito do crédito bancário foram as formas mais comuns de apoio à liquidez. De acordo com a informação da Direção-Geral do Orçamento, o stock de garantias concedidas pelas administrações públicas aumentou de 4,8% do PIB em 2019 para 6,4% do PIB em 2020, uma vez que as garantias COVID-19 (3,2% do PIB) mais do que compensaram a redução de 1,8 p.p. do PIB do stock de garantias prestadas ao sector financeiro.
As responsabilidades das empresas públicas classificadas fora das administrações públicas constituem também um risco orçamental. Este advém da eventual incapacidade destas empresas em fazer face às suas responsabilidades. A dívida gerada por estas entidades representava 3,3% do PIB em 2019, metade do verificado no início da crise financeira 2007-2008. Em consequência da crise pandémica iniciada em 2020, registou-se um agravamento da dívida destas entidades para 3,6% do PIB, um nível superior ao observado desde 2016. Apesar de o exterior e o sector financeiro serem responsáveis por quase três quartos do financiamento dessas entidades, o sector das administrações públicas foi o que registou o maior incremento de exposição de risco a estas mesmas entidades (por vezes designadas por empresas públicas não reclassificadas ou EPNR).
Sustentabilidade da dívida
O CFP projeta que, no cenário base, o rácio da dívida pública apresente uma trajetória descendente ao longo dos próximos 15 anos, atingindo 91,1% do PIB em 2035. Este exercício assenta nos valores projetados em políticas invariantes para o período 2021-2025 e estende esse horizonte até 2035 assumindo que: o saldo primário reage à evolução da dívida pública em linha com o verificado no passado recente (tal como estimado por uma função de reação orçamental, exigindo implicitamente alterações de política económica); e os desenvolvimentos económicos e da taxa de juro evoluem em linha com o projetado pelo CFP.
Apesar da trajetória descendente esperada, persistem os riscos associados ao elevado nível de endividamento em Portugal. Para além do rácio de dívida sobre o PIB de 135,2%, destacam-se, entre os possíveis indicadores de risco da situação orçamental, as necessidades (brutas) de financiamento face ao PIB, bem como a tendência de longo-prazo (medida através do rácio de dependência, da taxa de fertilidade e das projeções para a despesa em saúde e pensões), que sinalizam uma evidente necessidade de políticas estruturais que corrijam atempadamente os desequilíbrios e alterem o sentido da sua evolução. A atual política monetária de manutenção de taxas de juro em níveis historicamente baixos consiste numa oportunidade única para, com um esforço orçamental sustentado, obter uma redução significativa da dívida em percentagem do PIB. Em Portugal, no entanto, a política orçamental não se tem revelado suficientemente contra cíclica na fase favorável (de crescimento) do ciclo económico para construir um espaço orçamental suficientemente alargado que prepare o país para as consequências económicas e orçamentais de um choque desfavorável. Esse espaço orçamental permitiria o livre funcionamento dos estabilizadores automáticos, eventualmente coadjuvados por uma política expansionista contra cíclica na fase desfavorável do ciclo económico (em recessões). Desta forma, a política orçamental poderia efetivamente estabilizar a economia, minimizando as flutuações cíclicas, em vez de as exacerbar.
Em suma, a manutenção da sustentabilidade da dívida está perfeitamente ao alcance do país assim a política orçamental seja conduzida tendo em conta essa restrição.
Data da última atualização: 02/12/2021