
Este Relatório baseia-se nos valores de contabilidade orçamental pública de 300 dos 308 municípios portugueses (98,8% da despesa efetiva de 2019). Para esse universo, a Administração Local terá apresentado em 2023 um excedente orçamental de 24 M€, o que representa uma redução expressiva face aos 353 M€ alcançados em 2022 e inferior ao previsto na previsão constante do Relatório que acompanhou a proposta de OE/2023 (que apontava para um excedente de 256 M€). A diminuição do excedente resulta de um aumento da despesa efetiva em 1,2 mil M€, superior ao da receita efetiva (0,9 mil M€).
Em 2023, a receita efetiva dos municípios registou um crescimento de 8,7%, acima do previsto no OE/2023 para o subsector local (4,5%). O aumento das transferências, nomeadamente as recebidas ao abrigo das competências descentralizadas, representa quase dois terços deste crescimento. Ao contrário do previsto no OE/2023, as receitas próprias não fiscais (taxas, rendimentos de propriedade, venda de bens e serviços e outras) contribuíram no mesmo sentido, ainda que proporcionalmente menos. Por seu turno, a receita fiscal municipal registou uma significativa desaceleração face a 2022 (12,5%), tendo crescido apenas 2,5%. Ainda assim, contrariou a diminuição prevista no Relatório do OE/2023.
O crescimento da despesa municipal acelerou para 12,3% em 2023, quase o dobro do registado em 2022. Esta evolução foi impulsionada sobretudo pela despesa corrente primária (9,3 p.p. dos 12,3%), mas também pela despesa de capital (2,5 p.p.) e juros (0,5 p.p.). O crescimento da despesa corrente primária resultou de maiores despesas com pessoal (13,5%) e com a aquisição de bens e serviços (12,1%). Esta situação reflete, no primeiro caso, as valorizações remuneratórias transversais a todos os trabalhadores das Administrações Públicas em 2023, bem como a transferência de pessoal ao serviço no âmbito do processo de descentralização, ainda que com muito menor impacto do que em 2022. No caso das aquisições de bens e serviços, o aumento referido, para além de refletir o efeito da inflação, ainda persistente em 2023, encontra-se também influenciado pela despesa relacionada com a descentralização de competências. Ao contrário do que ocorre com a receita, a classificação económica da despesa não permite identificar especificamente as despesas financiadas pelas transferências efetuadas ao abrigo do Fundo de Financiamento da Descentralização (FFD). Esta informação, que é uma condição necessária para uma maior transparência sobre o processo de descentralização, registou progressos na sua monitorização em 2023, porém ainda insuficientes para uma adequada avaliação.
No que se refere ao investimento, nomeadamente aquele que é suportado por transferências de capital provenientes sobretudo de fundos europeus, verificou-se um aumento de 11,2% em 2023 (+257 M€), contrastando com a redução registada em 2022, ainda que muito abaixo do antecipado no Relatório do OE/2023 (21,5%).
Não obstante as limitações de informação, existe evidência de que a despesa por pagar dos municípios terá aumentado em 2023, seja ao nível dos passivos não financeiros (1,1%), seja das contas por pagar e dos pagamentos em atraso. Esta evolução infletiu o sentido de decréscimo observado em 2022. Esta situação decorre, em larga medida, da evolução desfavorável de um reduzido número de municípios. Esta evolução acaba por ter paralelo na evolução da média do prazo médio de pagamentos (PMP) dos municípios, que se agravou, ainda que em apenas um dia, para 23 dias, não obstante a indisponibilidade de dados para 34 dos 308 municípios, o que pode enviesar esta comparação.
A dívida total dos municípios considerada para efeitos do limite legal terá diminuído ligeiramente em 2023, sem prejuízo de algumas situações individuais em que se verificou um agravamento. A dívida total municipal de 302 dos 308 municípios – dívida financeira e não financeira – considerada para efeitos do limite legal reduziu-se em 21 M€, de 3570 M€ para 3549 M€. Com base apenas neste indicador, pelo menos doze dos 302 municípios estavam acima do limite da dívida total em 31 de dezembro de 2023, ou seja, menos três do que no final de 2022. Esta evolução traduz o decréscimo de dívida observado em 191 municípios (redução de 266 M€) que mais do que compensou o aumento reportado pelas restantes 111 autarquias (245 M€).
Contudo, em 2023, e caso fossem tidos em conta todos os passivos municipais, não se teria observado qualquer redução de dívida no ano. Isto é, se fossem incluídas as dívidas que o legislador entendeu excecionar, ter-se-ia registado um ligeiro aumento de 4 M€. Para esta situação concorreu o aumento da dívida legalmente excecionada em 38 M€, destacando-se em 2023 a dívida relativa a empréstimos, decorrente da celebração de contratos pelos municípios de Lisboa, Loures e Oeiras no âmbito da Jornada Mundial da Juventude.
Sendo a realidade municipal marcada pela heterogeneidade de situações, uma análise ao nível mais desagregado evidencia dificuldades financeiras em alguns municípios, algumas de forma continuada, que deverão continuar a ser acompanhadas. O aumento das dificuldades financeiras em 2023 levou mesmo a que dois destes municípios, Alfândega da Fé e Freixo de Espada à Cinta, recorressem à assistência financeira do Fundo de Apoio Municipal (FAM) no início de 2024. Uma eventual revisão da lei das finanças locais deverá ser concomitante com a revisão do enquadramento dos mecanismos de recuperação financeira.
Reitera-se, por último, que para a transparência da evolução orçamental e financeira no subsector é essencial que os municípios com informação em falta (e restantes autarquias locais e entidades) a prestem nos termos legalmente previstos e de forma tempestiva, em particular à DGAL. No mesmo sentido contribui o cumprimento do dever de publicidade dos documentos de prestação de contas e outra informação económica e financeira nos respetivos sites institucionais.
Data da última atualização: 18/07/2024