Atividade assistencial
No final de 2022, o SNS contava com mais de 10,5 milhões de utentes inscritos, dos quais 65,9% se encontravam inscritos em unidades de saúde familiar. 14,1% dos utentes não tinham médico de família. Com efeito, a trajetória ascendente do número de utentes sem médico de família iniciada em 2019 não foi interrompida, observando-se um crescimento superior a 30% nos últimos dois anos.
As consultas realizadas nos cuidados primários diminuíram face a 2021, observando-se uma redução de 1,5 milhões no número de consultas médicas, assim como uma redução no volume de consultas de enfermagem, contrariando as subidas registadas nos dois anos anteriores. No que diz respeito às consultas médicas, a diminuição de 4,1% ficou a dever-se ao menor volume de consultas não presenciais, uma vez que o número de consultas presenciais aumentou 16% face a 2021.
Quanto à atividade hospitalar, em 2022 observou-se um aumento contínuo da produção nas diversas áreas assistenciais. Concretamente, o número de consultas médicas hospitalares e de intervenções cirúrgicas programadas realizadas em 2022 ultrapassou os valores de 2019 e de 2021. Já o número de cirurgias urgentes realizadas foi inferior ao de 2019. O maior número de consultas médicas hospitalares e cirurgias programadas não foi suficiente para evitar a diminuição da capacidade de resposta do SNS nestas áreas, uma vez que o número de utentes em lista de espera para a primeira consulta voltou a aumentar em 2022, bem como o número de utentes em Lista de Inscritos para Cirurgia.
No âmbito da Rede Nacional Cuidados Continuados Integrados, o maior número de utentes assistidos, em 2022, não foi suficiente para responder ao aumento do número de utentes referenciados nesse ano. Apesar de terem sido assistidos mais 2060 utentes através desta Rede face ao ano anterior, o número de utentes em lista de espera foi superior ao registado no ano precedente, situando-se em 1562 (um aumento de 19% face a 2021).
Execução orçamental
Em 2022, o SNS apresentou um défice de 1066,6 M€, o que representa uma melhoria de 214 M€ face a 2021, assim como um défice menor do que esperado no orçamento inicial (1260,6 M€). Entre 2014 e 2022, período analisado no relatório, o saldo orçamental do SNS foi sempre negativo, registando um valor acumulado de -5231 M€. Para este resultado contribuiu um valor da despesa do SNS sistematicamente superior ao valor da receita para todos os anos analisados. Não obstante ambos os agregados orçamentais registarem crescimentos anuais, a taxa de crescimento médio da despesa (4,6%/ano) supera a da receita (3,9%/ano). Em 2022, contrariamente ao observado nos anos anteriores, a variação da receita face ao ano anterior (+798 M€) foi superior ao crescimento da despesa (+584 M€).
A receita total do SNS ascendeu a cerca de 12 102 M €, traduzindo um acréscimo de 798 M€ face a 2021 (+7,1%). A receita corrente do SNS representou 99,4% da receita total, atingindo 12 030 M€. Por diferença, obtém-se a receita de capital que representou 0,6% tendo-se situado em 72 M€. Em termos de estrutura, refere-se a predominância das transferências e subsídios correntes (verbas provenientes diretamente do Orçamento do Estado), que representaram 96,2% da receita total do SNS em 2022 (11 647 M€).
A despesa do SNS, em 2022, atingiu cerca de 13 168 M€, o que representa um aumento de 4,6% face ao ano anterior. Esta evolução foi determinada pelo crescimento de 5,2% da despesa corrente. Com efeito, a despesa corrente tem um peso preponderante, representando 98,2% da despesa total do SNS, estando concentrada em três rubricas: despesas com pessoal, fornecimentos e serviços externos e compras de inventários. No que respeita à despesa de capital, apresentou uma diminuição de 17,8% em 2022. Nesse ano, a despesa de capital correspondeu a 1,8% da despesa total do SNS, um valor que se encontra em linha com a reduzida expressão que o investimento tem tido nos últimos anos na despesa do SNS. Note-se ainda que despesa de capital ficou 323,6 M€ abaixo do previsto no OE/2022.
Dívida e prazos médios de pagamentos
O desequilíbrio económico do SNS continua a refletir-se na dívida a fornecedores externos, que se mantinha acima dos 1,5 mil M€ no final de 2022. O montante de injeções de capital acumulado desde 2017, quando estas operações se tornaram mais representativas, supera os 4,5 mil M€, e tem sido, ainda assim, incapaz de contribuir para a redução estrutural da dívida do SNS, que apenas recuou 252 M€ neste período. De facto, estas injeções de capital têm-se repercutido apenas na melhoria dos pagamentos em atraso, que correspondem à dívida vencida há mais de 90 dias, os quais se encontram numa trajetória descendente desde 2018. Importa ainda destacar que o prazo médio de pagamento do SNS ascendia a 109 dias em dezembro de 2022 (165 dias no universo das empresas do sector empresarial do Estado que estão integradas no SNS) e que apenas 21% das entidades do SNS apresentavam um prazo médio de pagamento inferior a 60 dias, no final de 2022.
Riscos e incertezas
O SNS continua a enfrentar riscos e incertezas que condicionam o seu desempenho de curto e médio prazo, assim como a sua sustentabilidade futura. Estes riscos são transversais ao plano assistencial e à execução orçamental, destacando-se:
Na vertente assistencial:
(i) os constrangimentos da atividade dos cuidados primários, nomeadamente a menor proporção de utentes não inscritos em Unidades de Saúde Familiar e o crescente número de utentes sem médico de família, que se apresentam como fatores que poderão pressionar os serviços de urgência e internamento, limitando o papel dos cuidados primários enquanto primeiro ponto de contacto com o SNS;
(ii) por sua vez, o aumento do recurso aos serviços de urgência pressiona os hospitais e obriga-os a redirecionar recursos da atividade programada para acudir aos episódios de urgência;
(iii) a pressão financeira sobre todo o sistema de saúde, com potenciais riscos traduzidos no crescimento das necessidades ocultas (“unmet needs”), no aumento das listas de espera e/ou no agravamento dos pagamentos diretos dos utentes (“out-of-pocket”), por maior necessidade de recurso a prestadores privados, caso o SNS não consiga responder adequadamente e em tempo útil – situação especialmente gravosa para as famílias com menores rendimentos.
Na vertente orçamental:
(i) a reduzida diversificação das fontes de financiamento do SNS, num quadro em que o ritmo de crescimento da despesa pública em saúde tem sido superior ao da economia e em que as necessidades em saúde da população são crescentes;
(ii) a necessidade de garantir a comportabilidade orçamental do crescimento das despesas com pessoal e com medicamentos, o que sugere melhorias na eficácia do processo de planeamento dos recursos afetos ao SNS e o reforço dos mecanismos de controlo e avaliação dos serviços e das equipas;
(iii) a necessidade de assegurar uma forma de orçamentação ajustada face à execução da despesa que obvie à orçamentação de um défice inicial e o posterior surgimento de desvios, o que requer adequados mecanismos e informação de gestão, incluindo uma contabilidade de gestão fiável e tempestiva, que permitam um controlo efetivo;
(iv) a necessidade de assegurar a implementação de instrumentos de gestão financeira pública de forma a suportar uma orçamentação por programas adequada na área da saúde, estabelecendo a ligação entre a evolução prevista para a atividade assistencial e os recursos orçamentais necessários para a sua concretização; e
(v) garantir a utilização integral dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência, com concretização atempada das reformas e dos investimentos nele previstos, de forma a modernizar o SNS e a reformar a organização, a gestão e o funcionamento deste serviço público.
Data da última atualização: 28/06/2023