Perspetivas macroeconómicas
A deterioração dramática nos custos da energia na Europa, que se tem vindo a intensificar com os sucessivos cortes de abastecimento de gás via Nord Stream 1, define a conjuntura de elevada incerteza em que o CFP atualiza as suas projeções.
Não obstante a superação das perspetivas de crescimento da atividade económica no 1.º semestre de 2022, a economia portuguesa – uma pequena economia aberta – é impactada não apenas diretamente, através do preço dos bens alimentares, energéticos e de outras matérias-primas, como indiretamente, pelo choque adverso na inflação, na produção e na atividade económica dos seus principais parceiros comerciais.
Assim, o cenário macroeconómico do CFP antecipa uma aceleração no ritmo de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) real da economia portuguesa para 6,7% em 2022 (4,9% em 2021), seguido de um abrandamento expressivo para 1,2% em 2023. Nos anos seguintes, e num cenário de políticas invariantes, o crescimento do PIB real deverá recuperar para 2,0% em 2024 e estabilizar em torno de 1,8% no médio prazo.
Síntese do cenário macroeconómico do CFP (variação, %)
Fontes: Projeções CFP (2022-2026) e INE (2021).
Comparativamente às projeções apresentadas em março, as atuais perspetivas de crescimento para a economia portuguesa em 2022 são mais robustas (+1,9 p.p.). Esta revisão é suportada, em larga medida, pelo forte desempenho, no 1.º semestre, das exportações de serviços e do consumo privado, beneficiando de um quadro de poupança ainda acima da média histórica. Já a projeção para 2023 representa uma expressiva revisão em baixa do valor para o crescimento do PIB avançado em março ( 1,6 p.p.), fruto da persistência das pressões inflacionistas – em resultado do prolongamento do conflito militar entre a Ucrânia e a Federação Russa e da manutenção de restrições do lado da oferta – do abrandamento da procura externa e do agravamento das condições de financiamento da economia nos próximos anos.
O mercado de trabalho deverá entrar numa fase de maturação a partir de 2022, o que se deverá refletir numa desaceleração no ritmo de crescimento do emprego de 1,9% em 2022 para 0,2% em 2023, enquanto a taxa de desemprego deverá diminuir para 5,6% da população ativa em 2022 e para 5,3% no ano seguinte. No médio prazo, a evolução do emprego encontrar-se-á condicionada sobretudo pela evolução demográfica, pelo que se antecipa uma desaceleração deste indicador para valores próximos de zero e uma estabilização da taxa de desemprego em torno de 5,1%.
O CFP projeta a intensificação das pressões inflacionistas em 2022, sendo antecipada uma aceleração na taxa de inflação, medida pelo Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC), para 7,7%. A inflação em 2022 deverá refletir sobretudo as dinâmicas esperadas para o preço dos bens alimentares e energéticos nos mercados internacionais, a depreciação do euro e a manutenção de restrições do lado da oferta. Para os anos seguintes prevê-se um abrandamento gradual da taxa de inflação, para 5,1% em 2023 e até 1,9% no médio prazo, em linha com o gradual desvanecimento das pressões inflacionistas e progressiva normalização da oferta.
Perspetivas orçamentais
A concretização do aumento das pressões inflacionistas mencionadas, mas não incorporadas no anterior exercício de projeção do CFP realizado em março, implicam uma alteração determinante no nível, e consequentemente na trajetória de evolução, de algumas variáveis orçamentais. Este fenómeno de inflação, não totalmente antecipado no primeiro trimestre do ano, beneficia as contas públicas no curto prazo. Tal sucede sobretudo em 2022, dado que os agentes económicos não ajustam no imediato as suas decisões de consumo e investimento, com benefícios sobre a receita fiscal, em particular nos impostos que incidem sobre o consumo dos agentes económicos, isto é, nos impostos indiretos.
Neste contexto, a estimativa de défice para 2022 foi atualizada de 1,6% do PIB para 1,3% refletindo a revisão em alta da receita, influenciada sobretudo pelo efeito da inflação no crescimento da receita fiscal. Esta estimativa, que não incorpora o impacto do Plano Extraordinário de Apoio às Empresas por insuficiente quantificação do efeito anual, incorpora, no entanto, um impacto de medidas de natureza pontual e extraordinária superior em cerca de 2 p.p. do PIB ao que era conhecido em março.
Decorrente da incorporação dessas medidas que se prendem com a mitigação do efeito do choque geopolítico e do apoio ao rendimento das famílias, a que acresce uma despesa com a pandemia superior ao previsto, considerando a reversão automática a que a natureza das mesmas obedece num cenário de políticas invariantes, projeta-se que o saldo para 2023 atinja um excedente de 0,1% do PIB, em linha com o alcançado no ano pré-pandemia. Contudo, a projeção apontaria antes para um défice de 0,4% do PIB, caso se admitisse uma reversão apenas parcial (ao invés da reversão integral) de algumas dessas medidas legisladas para vigorar apenas em 2022. Nos anos seguintes perspetiva-se uma posição orçamental globalmente equilibrada. O saldo primário, que exclui os encargos com juros, deverá regressar a um valor positivo já em 2022, retomando a trajetória de excedentes primários ocorrida nos cinco anos anteriores à eclosão da crise pandémica.
Síntese do cenário orçamental do CFP (% do PIB)
Fontes: Projeções CFP (2022-2026) e INE (2021).
A projeção para a receita total aponta para uma diminuição do seu peso em 1,1 p.p. do PIB ao longo do horizonte temporal, situando-se em 44,2% do PIB em 2026. Apesar desta perspetiva de evolução, a receita total deverá apresentar um comportamento anual diferenciado no período em análise, justificado (i) pelo perfil intertemporal das transferências recebidas relativas ao PRR e fundos estruturais, assim como pela (ii) trajetória projetada para o PIB.
Quanto à despesa pública antecipa-se uma diminuição do seu peso no PIB nominal entre 2022 e 2026, de 45,8% do PIB para 44%. Esta redução traduz a dinâmica descendente do peso relativo da despesa corrente primária e dos encargos com juros, uma vez que a despesa de capital deverá aumentar o seu peso no PIB. Importa referir que, em 2023, a redução projetada para a despesa corrente primária é determinada não só pelo enquadramento macroeconómico implícito ao cenário orçamental, mas sobretudo, pela reversão (i) das medidas de emergência causadas pelo efeito da pandemia; (ii) das medidas de mitigação do choque geopolítico e (iii) das medidas de apoio ao rendimento das famílias e com duração até ao final do ano.
O rácio da dívida deverá diminuir cerca de 27 p.p. ao longo do horizonte projetado, atingindo 100,6% do PIB em 2026. Entre 2021 e 2026, a dinâmica da dívida é determinada essencialmente por um efeito dinâmico favorável, que evidencia um contributo do crescimento do PIB (de -30 p.p. do PIB em acumulado) superior ao da taxa de juro (10,7 p.p. do PIB em acumulado), justificando em larga medida a redução esperada para o rácio da dívida pública (de 26,8 p.p. do PIB). O efeito saldo primário deverá contribuir em 10 p.p. do PIB para a diminuição do rácio até 2026, enquanto o ajustamento défice-dívida representa um aumento de 2,5 p.p. do PIB em acumulado. Uma análise de sensibilidade agravando os custos de financiamento em 50 pontos base, em cada um dos anos deste período, aponta para um impacto no rácio da dívida pública no final do horizonte temporal da projeção em 1,2 p.p. do PIB.
Riscos
À semelhança do relatório anterior, o atual cenário macroeconómico é pautado por um elevado grau de incerteza, com os riscos a serem predominantemente de natureza externa, e a penderem de forma descendente para o crescimento da atividade económica e ascendente quanto à inflação. Não obstante o atual cenário incorporar já alguns dos efeitos associados à manutenção do conflito militar entre a Federação Russa e a Ucrânia, não poderá ser descartada uma eventual interrupção completa do fornecimento de bens energéticos por parte da Rússia à Europa, o que se traduziria num aumento das pressões inflacionistas e penalizaria o crescimento real da economia portuguesa e dos seus principais parceiros. De igual modo, as pressões inflacionistas poderão ainda ser agravadas num contexto de: (i) manutenção ou reforço das medidas COVID-zero na China, o que prolongaria os constrangimentos nas cadeias de produção e distribuição globais; e (ii) a inflação (incluindo bens energéticos e alimentares) transmitir-se à inflação subjacente.
A materialização de uma inflação mais elevada poderá conduzir a uma normalização mais rápida da política monetária por parte do BCE, agravando as condições de financiamento da economia – com consequências mais penalizadoras para Portugal devido ao elevado endividamento das famílias e empresas.
O ambiente de elevada incerteza, as fortes pressões inflacionistas nos produtos energéticos e a possibilidade de recessão nos principais parceiros comerciais de Portugal constituem também riscos descendentes significativos para o sector do turismo, um dos principais motores da recuperação da economia portuguesa no seguimento da pandemia de COVID-19. Nomeadamente, o aumento no preço de produtos energéticos poderá levar a um aumento no custo de transporte de passageiros e reduzir o rendimento disponível nos países de origem, podendo arrefecer a procura global por turismo internacional.
Por fim, importa ainda mencionar o risco descendente associado à execução do PRR. Não obstante o atual cenário assumir já uma taxa de execução do plano inferior a 100%, dados os atrasos e a baixa execução verificada até ao momento, não poderá ser descartada a possibilidade de atrasos adicionais, cujo impacto em termos reais poderá ser agravado, num contexto de aumento nos preços de investimento.
No plano orçamental, não se pode excluir a hipótese de que o Governo possa ter de apresentar novas medidas de resposta à crise energética e ao aumento dos preços. O eventual surgimento de novas variantes do coronavírus poderá implicar um prolongamento do prazo de algumas medidas COVID-19 ou a adoção de medidas adicionais, o que acarretaria um impacto desfavorável no saldo orçamental.
Salientam-se, adicionalmente, os seguintes riscos descendentes sobre o saldo orçamental: i) a possibilidade de que, no caso de incumprimento do devedor, as responsabilidades contingentes relacionadas com as linhas de crédito com garantia do Estado se materializarem numa despesa superior à estimada pelo MF e incorporada na projeção do CFP; ii) a possibilidade de que o impacto em contas nacionais decorrente do apoio financeiro à TAP possa vir a ser superior ao considerado para 2022 e/ou de poderem vir a ser concedidos apoios adicionais nos próximos anos; iii) a eventual utilização do montante remanescente de 485 M€ ao abrigo do Acordo de Capitalização Contingente do Novo Banco; iv) as pressões orçamentais sobre a despesa corrente primária nos próximos anos relacionadas com as pensões e com as pretensões dos parceiros privados no âmbito de projetos de PPP.
Data da última atualização: 22/09/2022