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Regiões Autónomas

A Lei Orgânica n.º 2/2013 de 2 de setembro definiu os meios de que dispõem as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira para a concretização da autonomia financeira consagrada na Constituição e nos estatutos político-administrativos. Dispôs sobre as matérias relativas à administração financeira estabelecendo as regras em matéria de disciplina orçamental e limites de endividamento para as Regiões Autónomas. Para além destas regras, foi criado um procedimento de deteção de desvios e um mecanismo de correção dos mesmos. O papel e as atribuições cometidas ao Conselho de Acompanhamento das Políticas Financeiras (CAPF) foram reforçados. Este conselho passou a ter como atribuição o acompanhamento do grau de cumprimento da regra de equilíbrio do saldo orçamental e do limite para a dívida regional. Além desta atribuição foi-lhe também conferida a competência de abrir um procedimento deteção de desvio, a par da faculdade de propor a suspensão da retenção das transferências do Estado, no quadro das sanções aplicáveis ao incumprimento das referidas regras de disciplina orçamental. Apesar das significativas alterações nas regras de supervisão do Estado, a LFRA não definiu um período transitório de aplicação das regras de disciplina orçamental.  

 

De forma simplificada, as disposições que a aplicação da nova LFRA estabeleceu em matéria de disciplina orçamental foram:
 

Regra do Equilíbrio Orçamental artigo 16.º da LFRA

A introdução desta disposição fortaleceu o princípio do equilíbrio orçamental, ao estabelecer uma regra para o saldo corrente deduzido de amortizações. Assim, para além de os “orçamentos das administrações públicas das Regiões Autónomas” deverem prever as receitas necessárias para cobrir todas as despesas, tem de ser igualmente assegurado que, durante o mandato do Governo Regional, a receita corrente líquida cobrada deve ser pelo menos, em média, igual à despesa corrente acrescida das amortizações médias de empréstimos. Nos termos do n.º 3, o saldo corrente deduzido de amortizações (saldo corrente modificado) não pode registar, em qualquer ano, um valor negativo superior a 5% da receita corrente líquida cobrada. A lei define as amortizações médias de empréstimos como “o montante correspondente à divisão do capital pelo número de anos do contrato, independentemente do seu pagamento efetivo.”

 

Trata-se de um importante pilar de avaliação orçamental, que abre espaço, ainda assim, à realização de despesa de investimento que implique um eventual desequilíbrio deficitário do seu saldo global. Tal situação poderá ocorrer desde que se assegure a existência de um quase equilíbrio do saldo corrente modificado, que demonstre capacidade para satisfazer o serviço da dívida, que compreende os encargos com juros mais o valor respeitante à amortização média anual de empréstimos.  
 

Regra do Limite à Dívida Regional (artigo 40.º da LFRA)

Nos termos deste artigo, o total do passivo exigível das Regiões não pode ultrapassar, em 31 de dezembro de cada ano, 1,5 vezes a média da receita corrente líquida cobrada nos últimos três exercícios (n.º 1 do artigo 40.º). Consideram-se passivos exigíveis: os empréstimos, os contratos de locação financeira e quaisquer outras formas de endividamento, por iniciativa das Regiões Autónomas, junto de instituições financeiras, bem como todos os restantes débitos a terceiros decorrentes de operações orçamentais (n.º 5 do artigo 40.º da LFRA).

 

Este limite “poderá ser ultrapassado quando esteja em causa a contração de empréstimos destinados ao financiamento de investimentos de recuperação de infraestruturas afetadas por situações de catástrofe, calamidade pública, ou outras situações excecionais (n.º 2 do artigo 40.º)”. Nos termos do n.º 3, a contratação dos empréstimos ao abrigo desta exceção “depende de despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças o qual é precedido de parecer prévio favorável do Conselho [de Acompanhamento das Políticas Financeiras], que estabelece o número de anos em que o limite de endividamento pode ser ultrapassado, bem como as medidas e o número de anos de ajustamento necessários para regresso ao seu cumprimento.”

 

Tirando esta exceção, o n.º 7 determina que “em caso de violação do limite constante do n.º 1, a região autónoma procede à redução anual de pelo menos um vigésimo do excesso do referido limite.”

 

A regra do limite à dívida constitui assim o segundo pilar de disciplina financeira da LFRA. Aplica-se à dívida das Regiões Autónomas que não de curto prazo,[1] a qual passou a estar sujeita a um limite de endividamento. Este limite assenta na relação entre a totalidade do seu passivo exigível e a receita corrente, contrariamente ao previsto na anterior LFRA[2], em que o limite de endividamento dependia da relação entre o serviço da dívida (financeira) e a receita corrente.[3]

 

Na atual formulação da LFRA, a definição do limite de endividamento considera um conceito de dívida mais abrangente, que não se circunscreve apenas à dívida financeira que habitualmente é objeto de escrutínio regular, no quadro da supervisão orçamental europeia. Este conceito de dívida mais abrangente inclui não apenas a dívida financeira, mas também dívida administrativa ou também designada dívida comercial.
 

Procedimento de deteção de desvio precoce (artigo 44.º da LFRA)

Este procedimento reforça o papel e as atribuições cometidas ao Conselho de Acompanhamento das Políticas Financeiras, por lhe conferir a competência de informar o membro do Governo responsável pela área das finanças, e o Governo e a Assembleia Legislativa da Região Autónoma em causa, sempre que o passivo exigível das entidades que integram o perímetro orçamental de uma Região Autónoma atinja ou ultrapasse a média da receita corrente líquida cobrada dos últimos três exercícios.
 

Mecanismo de correção

Numa situação de incumprimento do limite da dívida, a Região Autónoma terá de proceder à apresentação de um plano que assegure a redução anual de, pelo menos, um vigésimo do excesso da dívida face ao referido limite, conforme o disposto no n.º 7 do artigo 40.º da LFRA.
 

Sanção

Nos termos do n.º 1 artigo 45.º “A violação do disposto nos artigos 16.º e 40.º pela região autónoma dá lugar à retenção nas transferências do Estado que lhe sejam devidas nos anos subsequentes, de valor igual ao excesso de endividamento, face ao limite máximo determinado nos termos do artigo anterior.” O acompanhamento do grau de cumprimento do disposto nos artigos 16.º e 40.º pela Região Autónoma compete ao Conselho de Acompanhamento das Políticas Financeiras, o qual pode propor a suspensão da aplicação da retenção nas transferências.

 

Verifica-se, contudo, no desenho deste regime sancionatório, uma incoerência com o previsto no diploma. Apesar do n.º 1 deste artigo 45.º se referir explicitamente à violação da regra de equilíbrio orçamental (saldo), a sua redação acaba por não impor qualquer sanção à sua violação caso o limite de dívida do artigo 40.º esteja a ser cumprido. Esta interpretação resulta do facto de o montante de retenção previsto na lei depender única e exclusivamente do valor do endividamento, ou seja, do seu excesso face ao estabelecido pelo limite. Numa situação de cumprimento do limite de dívida, mas incumprimento da regra de saldo, não haveria lugar à retenção de transferências, pelo que seria inconsequente a avaliação da regra do saldo.

 

Esta incoerência legislativa encontra-se igualmente refletida na epígrafe deste artigo que apenas refere: “Sanção por violação dos limites à dívida regional total” ignorando a sanção a atribuir em caso de violação da regra de equilíbrio orçamental do artigo 16.º.

 

[1] No âmbito da dívida de curto prazo, a LFRA definiu o critério da dívida flutuante, de acordo com o qual se concede às Regiões Autónomas que para fazer face a necessidades de tesouraria, estas regiões possam emitir dívida flutuante. Este critério estabelece que o montante acumulado de emissões vivas em cada momento não deve ultrapassar 0,35 vezes a média da receita corrente líquida cobrada nos últimos três exercícios.

[2] Lei orgânica n.º 1/2010, de 29 de março.

[3] O serviço de dívida total, incluindo as amortizações anuais e os juros, não exceda, em caso algum, 22,5% das receitas correntes do ano anterior, com exceção das transferências e comparticipações do Estado para cada Região.

 

* Esta informação é parte integrante do Relatório 01-2022 “Evolução das Finanças das Regiões Autónomas no período 2011-2020”, elaborado e publicado pelo CFP em fevereiro de 2022.

Data da última atualização: 27/11/2023